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A era da pós-ironia: como o cinema moderno nos nega o consolo e a inspiração

Leia a coluna da semana de Dylan Pretto
Cinema. Foto: Reprodução da Internet
domingo, 4 maio, 2025

por Dylan Pretto

Nos últimos vinte anos — em especial desde a década passada — o cinema entrou numa era de "pós-ironia", onde toda tentativa de demonstração de beleza ou virtude é tratada como piada ou ingenuidade. Quando foi que se tornou obrigatório que toda história tenha uma reviravolta sombria, um olhar desencantado, uma moral diluída e dúbia, como se admitir que o bem existe fosse uma covardia artística?

Hoje, os personagens são "cinzas", supostamente complexos, mas muitas vezes apenas apáticos ou amorais. As histórias terminam com a mais seca indiferença à elevação moral, emocional ou espiritual do espectador. A estética dominante tornou-se a da amoralidade: histórias construídas em cima do desconforto, da instabilidade, da desesperança. Cineastas como Yorgos Lanthimos, por exemplo, são aclamados como visionários enquanto nos oferecem obras que esvaziam o sentido do belo, da bondade, da nobreza — tudo revestido de uma frieza que parece ter se tornado sinônimo de sofisticação.

Mesmo diretores outrora humanistas como Richard Linklater entregam obras como Assassino por Acaso, onde não há nenhuma âncora moral. A nova ficção científica é Duna, já cínica no material literário de origem, mas provinda de uma época em que ainda se distinguia o bem do mal. A comédia virou agenda com O Menu, Barbie ou Fresh. Nos blockbusters, qualquer Marvel recente (sobretudo Deadpool) anula e ridiculariza por completo o impacto de qualquer mensagem inspiradora quando o filme inteiro parece uma paródia de si mesmo. O terror — talvez o gênero mais vulnerável a essa decadência — se converteu num desfile de traumas mal resolvidos, como em Sorria, Hereditário, Midsommar, Vivarium. Autores celebrados como Damien Chazelle, Paul Thomas Anderson e David Fincher parece que só o são por sacrificarem constantemente o público com a total ausência de desfechos de resolução agradável.

E a justificativa? Sempre a mesma: "é assim que é a vida real". Mas desde quando a arte serve apenas para espelhar a realidade em sua forma mais áspera e bruta? A arte não é só um reflexo — é um farol, uma proposta, uma promessa. É através dela que imaginamos o que podemos ser. Quando a cultura dominante só passa amoralidade, niilismo, utilitarismo e hedonismo, as pessoas vão se espelhar em quê?

É curioso (e trágico) que hoje um filme com um final feliz, ou que simplesmente abrace a esperança, seja logo taxado de "cheesy", "datado", "irreal". A trilogia do Senhor dos Anéis, Nárnia, os épicos bíblicos dos anos 50... tudo isso parece ter sido varrido para fora do cinema contemporâneo, como se a virtude fosse infantil, como se a beleza fosse cafona.

Claro, há exceções. Mas são escassas. Tive que caçar exemplos recentes que oferecem consolo, grandeza ou redenção: Sociedade da Neve, A Baleia, Gato de Botas 2, Top Gun Maverick, Os Fabelmans, No Portal da Eternidade, Tick Tick Boom, Adoráveis Mulheres, Até o Último Homem. Filmes de Wes

Anderson ainda preservam certa doçura. Mas são ilhas num mar de desesperança estilizada.

Mesmo bons filmes não escapam dessa tendência: Manchester à Beira-Mar, Ela, Silêncio, História de Um Casamento, Me Chame Pelo Seu Nome, Animais Noturnos. Todos carregam essa marca de uma época que parece ter perdido o direito de acreditar. O cidadão médio de qualquer outra era se sentiria aterrorizado com a nossa produção cultural — não por suas monstruosidades explícitas, mas pela ausência total de luz no fim do túnel.

Não se trata de pedir finais felizes em tudo, nem de censurar a complexidade da dor humana. Mas de questionar uma hegemonia estética que se recusa sistematicamente a oferecer consolo. Um cinema que apenas sacrifica o público e chama isso de realismo talvez esteja apenas confessando sua falência espiritual. E isso não é vanguarda — é desistência.

Dylan Pretto é formado em Direito, artista plástico, crítico de arte e escritor

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