por Jamir Calili
Desde o início deste mês, a Prefeitura de Governador Valadares colocou em funcionamento um novo sistema tributário. A promessa era de modernização e eficiência. O resultado, contudo, tem sido o oposto: serviços paralisados, contribuintes e empresários prejudicados, arrecadação comprometida e prazos descumpridos pela própria administração.
Não é a primeira vez. No ano passado, a implantação do novo sistema de emissão de notas fiscais já havia gerado enorme desgaste. Um programa pobre em tecnologia, alvo de duras críticas e denúncias da comunidade. O atual prefeito, que fez campanha eleitoral contra esse sistema, não só o manteve como ampliou o contrato da mesma empresa.
A situação lembra o mito de Sísifo, personagem da mitologia grega condenado a empurrar uma pedra até o alto da montanha, apenas para vê-la rolar de volta ao vale e recomeçar o esforço, eternamente. Assim tem sido a vida dos cidadãos valadarenses: cada novo sistema que deveria facilitar, trava a vida da cidade e obriga todos a empurrar a mesma pedra, de novo e de novo.
Mas não quero me limitar à crítica. Desde o início do meu primeiro mandato, insisto em propostas que podem transformar a gestão municipal. Já escrevi aqui mesmo neste jornal em diversas oportunidades. Em vários domingos reforcei ideias de gestão que levavam em conta o uso da tecnologia. Por exemplo, em junho de 2024, comentei que a tecnologia era essencial para ampliar receitas e reduzir despesas, aumentando a produtividade. Em 2024, também, em artigo intitulado “O Tempo da Gestão Pública” argumentei que burocracias são necessárias e a tecnologia deveria ser utilizada para dar mais celeridade a essas etapas burocráticas, oportunidade em que fiz várias sugestões de mudanças tecnológicas. Na coluna sobre os cinco desafios que o próximo prefeito ia encarar falei sobre a implementação de tecnologia. Mas a política tem prestigiado a polarização e não o debate de soluções para cidade. Infelizmente, só sei debater soluções, sem ficar criando fantasmas que não resolvem problemas. Vou continuar tocando minha vida política neste ponto, um dia acredito que as pessoas vão entender que precisam abandonar as armas e os argumentos lacradores da esquerda e da direita.
O que defendo é simples: não existe governo digital sem servidores valorizados e preparados. A tecnologia, por si só, não resolve nada. Sistemas não funcionam se não houver gente capacitada para operá-los, ajustá-los e adaptá-los à realidade do município. Infelizmente, a atual gestão insiste em tratar o know-how dos servidores de carreira como um estorvo, e não como um patrimônio. Como se os profissionais da casa fossem empecilhos ao invés de parceiros estratégicos. Ao ignorar a experiência acumulada por décadas de serviço público, a prefeitura entrega as chaves da administração a empresas que pouco conhecem a realidade local e querem implementar um sistema de cima para baixo, esquecendo que é preciso cuidar do usuário interno e externo. Nenhum dos dois grupos de usuários foram ouvidos. Resultado: sistemas caros, mal implementados e sem aderência à vida do contribuinte.
É por isso que tenho defendido a criação de uma carreira específica de Tecnologia da Informação na prefeitura. Profissionais concursados, com atribuições claras e formação continuada, seriam responsáveis por estruturar e coordenar toda a transformação digital da administração municipal. Não se trata apenas de contratar programadores, mas de formar um corpo técnico estável que acumule conhecimento, garanta a continuidade das políticas públicas e dê autonomia ao município em relação a empresas terceirizadas.
Com uma carreira estruturada, o poder público poderia: a) planejar sistemas sob medida para a realidade local, evitando soluções genéricas que não dialogam com as necessidades de Valadares; b) Acompanhar e fiscalizar contratos com fornecedores externos, reduzindo custos e prevenindo falhas; c) assegurar continuidade, mesmo em mudanças de gestão, preservando o conhecimento acumulado e evitando que cada prefeito “reinvente a roda”; d) integrar tecnologia às demais áreas da prefeitura, criando soluções para saúde, educação, mobilidade e arrecadação, sempre com a lógica do serviço ao cidadão.
Não se trata de rejeitar a tecnologia, mas de implementá-la de forma inteligente, com planejamento, transparência e diálogo com a comunidade. Um sistema tributário ou de emissão de notas fiscais deve ser um instrumento de facilitação da vida do contribuinte e de fortalecimento da arrecadação — nunca um obstáculo que paralisa a cidade.
O mito de Sísifo nos lembra da inutilidade de repetir eternamente o mesmo erro. Governar é aprender, corrigir e evoluir. Governar é valorizar quem já conhece os caminhos, ouvir a experiência dos servidores e combinar tecnologia com inteligência humana. Essa é a modernização que Valadares precisa: não apenas novos programas, mas uma nova postura diante do cidadão e da gestão pública.
Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.





