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Atribuir papel de cuidar às mulheres é uma construção social

Segundo pesquisadoras que participam nesta terça (5) dos debates do Sempre Vivas, questão ainda tem impacto generalizado na vida das mulheres
Participantes do ciclo de debates do Sempre Vivas discutiram os desafios das mulheres na sociedade. Foto: Alexandre Netto/ALMG
terça-feira, 5 março, 2024

Delegar o cuidado da família às mulheres é uma construção social. A afirmação pautou discussões, na manhã desta terça-feira (5/3/24), no Ciclo de Debates: Precisamos falar sobre a (in)visibilidade das mulheres. O evento integra o Sempre Vivas 2024, iniciativa da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG) para marcar o Dia Internacional da Mulher, comemorado em 8 de março. Os debates prosseguem à tarde.

Na mesa que abordou o desafio das mulheres na sociedade e trouxe um panorama social da mulher e seu papel de cuidado, a professora de sociologia e coordenadora do Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Bila Sorj, enfatizou que atribuir as tarefas relativas ao cuidado essencialmente às mulheres tem sido uma duradoura e injusta divisão sexual do trabalho.

Sempre Vivas 2024 - Ciclo de debates: precisamos falar sobre a (in)visibilidade das mulheres/Foto: Alexandre Netto-ALMG

De acordo com ela, essa questão impacta amplamente a vida das mulheres, o que vai desde a impossibilidade de se dedicar a uma profissão até optar, nas universidades, por cursos ligados ao cuidado. Depois, no mercado de trabalho, são profissões menos remuneradas, se comparadas com as escolhidas principalmente por homens, como engenharia e outras ligadas a tecnologias.

Bila Sorj salientou que delegar o cuidado estritamente às mulheres se baseia em um conceito biológico de que a mulher tem conhecimento nato sobre isso por conta da gestação, parto e aleitamento. Em sua opinião, essa noção não se sustenta.

"O modo como a sociedade organiza o cuidado é produto da cultura, da economia e da política. Não é uma questão biológica que coloca as mulheres nessa posição prioritária.”

Bila Sorj (Coordenadora do Núcleo de Estudos de Sexualidade e Gênero da UFRJ)

Diretora de pesquisa emérita no Centro Nacional de Pesquisa Científica (CNRS), da França, e pesquisadora colaboradora do Departamento de Sociologia da Universidade de São Paulo (USP), Helena Hirata também destacou que o trabalho doméstico e de cuidados sempre foi considerado, no Brasil e no mundo, responsabilidade das mulheres.

“Os movimentos feministas foram os primeiros a denunciar a injustiça social acarretada por essa assimetria nas responsabilidades domésticas e de cuidados”, frisou.

Helena Hirata citou pesquisa a qual revela que 31% das mulheres dizem que o principal motivo de não terem tomado providências no sentido de conseguir trabalho foi a responsabilidade de cuidar dos afazeres domésticos, dos filhos e de outros parentes.

Cuidado é delegado sobretudo a pretas e pardas

Mestre em psicologia social pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e consultora em relações étnico-raciais e de gênero, Suely Virgínia dos Santos enfatizou que a história da mulher está totalmente ligada ao tema do cuidado, sobretudo, a das pretas e pardas que, mesmo na atualidade, continuam se dedicando ao cuidado das casas e das famílias de mulheres brancas.

Virgínia dos Santos reivindicou políticas públicas para quem cuida, como apoio psicossocial, isenção em transporte e desconto em ingressos de cinema.

Concordou com ela a coordenadora-geral do Centro Nacional de Africanidade e Resistência Afro-Brasileira, Makota Celinha Gonçalves, para quem as mulheres pretas são ainda mais oprimidas. “O dia 8 de março ainda é uma data para resistir. Deve servir para denunciar machismo e racismo”, disse.

Letícia Imperatriz, mulher trans, cientista social e mestranda em desenvolvimento social pela Unimontes, também salientou que a data deve ser de resistência. Ela destacou que não vê a inserção de pessoas trans no mercado de trabalho e que não há dados numéricos sobre o assunto. “O sistema nos marginaliza”, afirmou.

Subvalorização ainda é realidade

Ana Luiza de Holanda Barbosa, doutora em economia e pesquisadora do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea), também frisou no debate que o trabalho em casa é subvalorizado e não remunerado em função de normas sociais e culturais e à estrutura machista que ainda persistem, e que segundo ela são institucionalizadas até no casamento. 

Ela destacou que as mulheres trabalham o dobro em casa, em comparação com os homens, e avaliou, por outro lado, que somente agora está se percebendo que a igualdade de gênero no mercado de trabalho importa também pelo fator econômico. 

Estudos mostraram que, de 1970 a 2010, elas responderam por 25% do aumento do PIB no período. "Ou seja, se a igualdade é sempre importante em termos de justiça e valores, esse é mais um argumento a favor, de que gera crescimento econômico", disse Ana Luiza.

Defesa dos direitos da mulher deve ser luta de todos 

Na abertura do ciclo de debates, a procuradora da Mulher da ALMG, deputada Ione Pinheiro (União), salientou que a defesa dos direitos da mulher deve ser uma luta de todos, uma vez que o machismo é enraizado na sociedade e, para reverter isso, o processo é lento e cheio de percalços.

A deputada Leninha (PT), 1ª-vice-presidenta da ALMG, enfatizou o papel da Bancada Feminina da Assembleia, que, conforme disse, mesmo com parlamentares com visões ideológicas distintas, trabalha em unidade para conquistas das mulheres.

A deputada Ana Paula Siqueira (Rede), que preside a Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, destacou que uma sociedade justa deve respeitar o perfil demográfico da sua população.

Ana Paula Siqueira
Dep. Ana Paula Siqueira

O presidente da ALMG, deputado Tadeu Martins Leite (MDB), que abriu o evento, disse que o valor das mulheres deve ser reconhecido em todos os espaços.

Ele listou diversos desafios, como a sobrecarga derivada do papel de cuidado com a família, o assédio e a subrepresentação feminina na política. O presidente acrescentou que a ALMG é sensível a todas essas questões, com o objetivo de encontrar soluções e construir espaços mais igualitários.

Durante o evento, foi assinado acordo de cooperação técnica entre a Defensoria Pública de Minas Gerais e a ALMG. A defensora pública-geral do Estado, Raquel Gomes, afirmou que o objetivo da parceria é capacitar mulheres para serem líderes e multiplicadoras de conceitos que visem ao respeito e à igualdade de gênero.

Também compuseram a mesa da abertura do evento as deputadas Macaé Evaristo e Beatriz Siqueira, ambas do PT, Bella Gonçalves (Psol) e Lohanna (PV).

Sempre Vivas

O Sempre Vivas é uma iniciativa da ALMG, por meio da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, em parceria com coletivos, entidades e órgãos diversos. Neste ano, o tema do evento é o lugar da mulher na sociedade e como a sua invisibilidade dificulta o pleno exercício dos seus direitos, especialmente nos espaços de poder.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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