Logo Jornal da Cidade - Governador Valadares
Banner

Ciência, Política e Saneamento: um olhar sobre o desenvolvimento das cidades

Leia a coluna desta semana de Jamir Calili
Implantação de rede de esgoto. Foto: Divulgação Águas de Manaus
domingo, 19 outubro, 2025

por Jamir Calili

Publicamos recentemente, na Revista Online da FADIVALE, um artigo desenvolvido a partir de uma disciplina de graduação ministrada na UFJF-GV sobre o Novo Marco Legal do Saneamento Básico (Lei nº 14.026/2020). O texto nasceu em sala de aula, como exercício acadêmico, mas cresceu para se tornar uma reflexão madura sobre as políticas públicas de saneamento, seus dilemas e as consequências práticas de sua implementação nas cidades brasileiras.

O novo marco legal ampliou as exigências de universalização do acesso à água potável e ao esgotamento sanitário até 2033. A meta é ambiciosa e necessária: cerca de 35 milhões de brasileiros ainda não têm acesso à água tratada e quase 100 milhões vivem sem coleta de esgoto. O desafio é de escala nacional, mas seus efeitos são sentidos no município, que é onde o cidadão vive e onde as políticas públicas se concretizam ou fracassam.

O artigo analisa a tensão entre o direito humano ao saneamento e a necessidade de atrair investimentos privados. O novo marco propõe regras mais rígidas para contratos, metas de desempenho e fiscalização. No entanto, sem gestão pública qualificada e planejamento urbano integrado, o risco é de se transferir monopólios estatais para monopólios privados, trocando a ineficiência por exclusão. O investimento privado é bem-vindo, mas ele precisa ser regulado com transparência, metas claras e controle social efetivo. Sem isso, o lucro substitui o interesse público.

Trouxemos ao debate a experiência de Gov. Valadares, que, em 2023/2024, concedeu à iniciativa privada os serviços de água e esgoto e está em seu primeiro ano de experiência. A cidade já percebeu ganhos em cobertura e investimento, uma vez que já saiu de 0% para 10% do tratamento de esgoto. Mas enfrenta desafios de tarifas, transparência e controle. No artigo trouxemos uma entrevista com o porta-voz da empresa dada aos discentes em razão de trabalho acadêmico. A entrevista mostra o olhar da empresa, mas confirma muitas das hipóteses que trouxemos no conjunto do texto. É claro que não se deve tomar como ponto de partida somente o discurso empresarial, mas para os fins que o artigo se propôs e tendo em vista que a concessão está muito recente, o que apresentamos servirá como marco temporal para posteriores análises. E claro, como artigo jus científico, trata-se de um recorte. Há ainda muito mais para ser falado sobre o tema.

É uma lição viva de como as parcerias público-privadas exigem um Estado vigilante, capaz de fiscalizar o cumprimento das metas contratuais e de zelar pelo equilíbrio econômico-financeiro, sem comprometer a justiça social. O que se faz em Valadares é um espelho dos dilemas do país.

A produção científica que nasce da sala de aula é um exercício de cidadania. Quando transformamos um trabalho acadêmico em artigo, levamos para o debate público o olhar da pesquisa sobre temas que afetam a vida das pessoas. O encontro entre a ciência e a política tem um valor duplo: ajuda a aprimorar o olhar técnico sobre as políticas públicas e fortalece o compromisso ético de quem legisla e fiscaliza. A boa política precisa da boa ciência; e a boa ciência precisa dialogar com a realidade política.

O saneamento é mais do que uma questão de infraestrutura. É uma política pública essencial que toca a saúde, a educação, o meio ambiente e a economia. Cada real investido em saneamento representa quatro reais economizados em saúde pública. Mas, mais que números, trata-se de dignidade. Nenhum discurso sobre desenvolvimento pode ser sério se não incluir o acesso à água potável e o tratamento de esgoto como prioridade.

Por isso, compreender o saneamento é compreender o papel do município na construção de uma cidade justa. A ciência nos ajuda a medir e planejar; a política, a decidir e executar. Quando as duas caminham juntas, surgem políticas públicas mais humanas, baseadas em evidências e compromisso social. Esse é o espírito da universidade pública e o sentido da vereança: unir conhecimento e responsabilidade para transformar boas ideias em políticas reais.

Hoje, os jovens autores do artigo já são advogados formados, e contribuem para a comunidade jurídica com textos e reflexões de grande valor. O que começou como um exercício de pesquisa se converteu em uma contribuição efetiva para o debate sobre a gestão dos serviços públicos municipais. É um exemplo de como o ensino, a política e a cidadania se entrelaçam quando a universidade e o poder público se reconhecem como partes de uma mesma missão: melhorar a vida das pessoas.

Aproveitamos para cumprimentar a FADIVALE pela publicação de sua Revista Online, com textos acadêmicos e jurídicos qualificados sobre questões locais e regionais que trazem ganhos para todo o país.

Jamir Calili, professor de Direito da UFJF, Campus GV, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, em Coautoria com Marcos Vinicius Queiroz Eller e Thairlom Alves Faria (Bacharéis em Direito pela UFJF e advogados).

Gostou? Compartilhe...

Leia as materias relacionadas

magnifiercrossmenu