por Jamir Calili
No último feriado de Corpus Christ, mais de 60 mil pessoas ocuparam as ruas do Rio de Janeiro com um único objetivo: correr. A Maratona do Rio se consolidou como o maior festival de corrida da América Latina e, mais do que isso, como um verdadeiro vetor de desenvolvimento econômico, turístico e social.
Os números impressionam: R$ 355 milhões movimentados na economia local, mais de 2.800 empregos gerados, 85% dos participantes vindos de fora da cidade, com gastos diários superiores a R$ 500 por pessoa. São turistas que correm, sim, mas também dormem em hotéis, frequentam bares e restaurantes, compram produtos, visitam atrações e retornam com a imagem de uma cidade viva, saudável, acolhedora.
Essa realidade nos obriga a refletir sobre o papel dos eventos de esporte e bem-estar — ou, como alguns chamam, “wellness” — no planejamento de nossas cidades. Ainda tratamos esse segmento como periférico, supérfluo, dependente de recursos de ocasião. Mas a verdade é que estamos falando de um mercado robusto, em franca expansão e que precisa ser compreendido como parte da engrenagem do desenvolvimento.
Falo disso com base na minha experiência e no que temos vivido em Governador Valadares. A cidade vem se consolidando como polo de grandes eventos, como a Expoleste, a Expoagro, o Festival de Jazz e, mais recentemente, a Copa das Atléticas dos Vales (CAV), que reuniu mais de cinco mil universitários e movimentou mais de 6 milhões de reais em um único fim de semana. Estamos falando, neste caso, de um público que não coloca muitos recursos na cidade, mas que impacta positivamente o feriado que era pouco movimentado.
Além disso, há uma cena em franca expansão: quinzenalmente, há pelo menos uma corrida de rua em Valadares, reunindo entre 500 e 1.000 corredores. Eventos maiores, como a Corrida Rústica, que ultrapassa 1.500 participantes, e a Copa Big Mais, com quase 2.000 inscritos, atraem atletas de várias cidades, gerando ocupação na rede hoteleira, movimentação no comércio local e visibilidade para a cidade. São centenas de pessoas chegando com suas famílias, consumindo, conhecendo Valadares e voltando para casa com boas impressões.
Esses números não são acidentais. Eles revelam o potencial de um setor que, quando bem-organizado, gera emprego, ativa cadeias produtivas locais e projeta a cidade para além de suas divisas. E isso porque estou falando somente da corrida de rua. Há outras práticas esportivas que possuem potencial similar. Mas há algo mais profundo aqui. Esses eventos mobilizam a juventude, incentivam hábitos saudáveis, promovem autoestima coletiva e transformam o ambiente urbano.
Uma cidade que recebe um evento esportivo de grande porte precisa estar preparada em mobilidade, segurança, hospitalidade, serviços e, acima de tudo, em visão. Visão de que cultura, lazer, esporte e turismo são instrumentos poderosos de política pública. A Maratona do Rio não é apenas uma corrida — ela é uma plataforma. Um festival que mistura saúde, entretenimento, turismo, negócios e pertencimento. Um projeto que une marcas, empresas, poder público e sociedade em torno de uma narrativa positiva e aspiracional.
Nossa cidade tem todas as condições, em um nível menor, claro, de ser protagonista nesses eventos. Claro que há desafios. Mas há uma exigência: a mudança de mentalidade. O setor de eventos — e em especial os de wellness — não pode ser tratado como “modismo” ou “luxo”. Ele precisa estar no centro do planejamento econômico e urbano. Precisa de políticas públicas claras, incentivo à qualificação, regras do jogo transparentes e articulação entre poder público e sociedade civil.
A CAV é um excelente exemplo: estudantes se organizam em ligas, mobilizam patrocínios, promovem ações sociais, ocupam praças e ginásios, movimentam o comércio e constroem, sem saber, um grande laboratório de cidadania, gestão e desenvolvimento. Assim como na Maratona do Rio, a força não está só na linha de chegada, mas em tudo que acontece antes, durante e depois da largada.
Eventos desse tipo criam memórias, narrativas e, sobretudo, oportunidades. Precisamos entender que uma maratona, uma copa universitária ou um festival de bem-estar não são “gastos” — são investimentos. Investimentos em gente, em imagem, em saúde coletiva e em prosperidade. São, na prática, políticas públicas que dão certo. E, vale destacar, a participação do dinheiro público nesses eventos é mínima, geralmente associada a prestação de serviços.
Por isso, deixo aqui uma provocação: e se passássemos a incluir os eventos esportivos e de bem-estar nos planos de desenvolvimento econômico das nossas cidades? E se começássemos a ver a maratona não só como corrida, mas como estratégia? Talvez, nesse novo percurso, o desenvolvimento esteja mais próximo do que imaginamos. Talvez ele venha de tênis, com o número no peito, suado, sorrindo, cruzando a linha de chegada enquanto nos mostra que é possível crescer com saúde, alegria e propósito.
Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.