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Direitos, paliativos ou placebos?

Leia a coluna desta semana de Marcius Túlio
Rompimento da barragem de Fundão, em Mariana, Minas Gerais. Foto: © Antonio Cruz/ Agência Brasil
domingo, 6 julho, 2025

por Marcius Túlio

Programa Indenizatório Definitivo Rio Doce, (PID). De definitivo mesmo, somente o estrago, seus efeitos e possivelmente suas sequelas.

No quinto dia do mês de novembro do anno domini de 2015, o Vale do Rio Doce foi notícia em todo o planeta por sediar a maior tragédia ecológica do Brasil e provavelmente uma das maiores do mundo após Hiroshima e Nagasaki.

Não foi, definitivamente uma tragédia natural, em que pese a ocorrência de intempéries que podem ter influenciado secundariamente no rompimento da Barragem de Fundão localizada em Mariana, MG, tratou-se de uma tragédia previsível e positivamente evitável, efetivada em função da negligência humana.

Ainda que culposa, sob o ponto de vista jurídico, a simples possibilidade dessa ocorrência seria um ponto indelével nas operações mineradoras das multinacionais autorizadas, uma negligência meio que dolosa sob o ponto de vista de suas proporções e de sua capacidade destrutiva.

Foi um erro humano, não de qualquer humano, mas de seres humanos poderosos que dirigem e controlam as atividades de uma das maiores mineradoras do planeta azul, que, embora tenha elevado divisas para o Brasil, deixou, deixa e deixará um rastro de devastação ambiental e que provavelmente jamais será instada por isso.

Desde seu protagonismo na sucumbência do majestoso Pico Cauê, em Itabira, MG, agora transformado numa cratera de proporções gigantescas até o pó de minério de ferro, presente nos pulmões de boa parte da população agraciada pelos trilhos da imponente estrada de ferro que aliás, divide em hemisférios dezenas de municípios, o meio ambiente é postergado e as pessoas, os seres humanos, são considerados sua propriedade ou apenas ignorados.

Em que pese a histórica relação de amor e ódio entre a “trans nacional” mineradora e os cidadãos, inexorável, direta ou indiretamente, submetidos aos impactantes interesses da empresa, o retorno humanitário e social é sistematicamente abominável, chegando a jocoso.

Com a respectiva proteção estatal, opera com liberdade e autonomia em território nacional, ao seu bel prazer.

O desastre de 2015, cuja eclosão descortinou verdadeiro festival de irresponsabilidade e inconsequências, demonstrou absurdo descaso com o meio ambiente e com a população ribeirinha ao Rio Doce e escancarou uma relação promíscua entre a empresa e suas subsidiárias e os órgãos oficiais de controle e fiscalização específicos.

Os efeitos colaterais, as sequelas e os danos ao ambiente não são mensuráveis e não têm prazo de validade, de certo que somente deixou lembranças tristes e irreparáveis psicológica e emocionalmente, sem que qualquer explicação plausível ou crível fosse apresentada pontualmente, alguns frágeis processos judiciais paliaram com eficácia momentânea para garantir a hegemonia operacional das protagonistas do desastroso evento.

No calor dos acontecimentos, acenaram com ações furtivas para socorrer pessoas desesperadas e até famintas, cidades inteiras à mercê de água potável doadas pela solidariedade humana se curvaram ante a impotência para reagir a uma catástrofe nunca imaginada pelo cidadão comum.

Como era de se esperar, não tardaram os discursos de consolo e austeridade, promessas vagas, bem como as campanhas solidárias que apenas transferem a responsabilidade para toda a sociedade. Engodo atrás de engodo.

Não tardaram também as migalhas indenizatórias para estancar a sangria a que foi acometido todo o Vale em dois Estados da Federação e com isso ganhar um tempo precioso para pautar seus próximos passos, inefável e desorientada, a população aquiesceu passiva e pacificamente, o teatro estava montado.

Instadas de forma legal, recorreram ao seu velho parceiro de longa caminhada, o Estado e todo o seu aparato conciliador.

Não tardaram também os acordos espúrios que prestigiaram os interesses desse parceiro leal, sem que os principais ofendidos ou atingidos fossem sequer consultados.

Todos foram atingidos, mas somente os maiores de 16 anos merecem reparação paliativa dos danos, ignorados o ECA, (Estatuto da Criança e do Adolescente) e a Constituição, por quê?

Por outro lado, o acordo com o Governo Brasileiro tenta elidir ações de reparação em função de uma provável condenação em Tribunais internacionais por meio de manobras jurídicas mesquinhas que ameaçam os reais atingidos e protegem interesses das protagonistas, por quê?

A quem interessa essa verdadeira tempestade de versões que desestabiliza a opinião pública de boa fé?

Parece se tratar de uma flagrante tentativa de soterrar na lama dos dejetos criminosos a esperança de uma indenização minimamente justa sob a ótica material, já que a reparação aos danos ambientais jamais será efetivada.

Em breve, seremos apenas um parágrafo nos livros de História. Já são quase 10 anos.

Isso não é um desabafo, é apenas uma constatação.

Paz e Luz.

Marcius Túlio é Coronel da Polícia Militar de Minas Gerais

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