por Lo-Ruama Loring Bastos
A educação básica pública vive uma encruzilhada: de um lado, a desvalorização histórica, salários aviltantes, espaços depredados, salas cheias, indolência discente, omissão parental e ainda tem a violência que invade os muros das escolas. De outro, uma legião de professores que, mesmo no caos, – enfrentando a sobrecarga, o esgotamento psíquico e a frustração existencial – insistem em acreditar que a sala de aula é território de transformação. Mas como resgatar o sentido da docência sem cair no discurso vazio de "resiliência"? A resposta não está em fórmulas mágicas, e sim em ações coletivas e políticas estruturada.
Este texto confronta a contradição entre o conhecimento acumulado — que aponta caminhos para cuidado psíquico coletivo — e a ausência crônica de políticas que transformem escolas em ambientes saudáveis. Ao expor a desarquitetura sistêmica que adoece educadores, defendemos que garantir espaços terapêuticos, diálogo e investimento humano não é utopia, mas urgência política. A luta por uma educação digna começa quando reconhecemos: não há ensino de qualidade sem cuidar de quem ensina.
Enquanto alguns se perdem em teorias, os professores estão na linha de frente com a velha e cansada coragem: sem recursos, sem reconhecimento e sem saúde. O ato de resistência não só é bonito e inspirador, como também é exaustivo. É claro que é necessário lutar pela educação pública, – que opera em escassez de saúde – debater e defender a qualidade do ensino e seguir firme no chão escolar fazendo o nosso melhor. O que não podemos é ignorar o desabamento que a escola vive diariamente. E se tem um problema que ninguém tem dado conta de solucionar, é a saúde mental docente.
Mas, professora, não tem como! E digo: tem, sim! É absolutamente possível ter espaços terapêuticos nas escolas, organizados e orientados por especialistas; criar rodas de diálogos decentes e escuta atenta; ter ações de comunicação não-violenta, mediação de conflitos e desenvolvimento de habilidades socioemocionais com atividades humanizadoras. Os acervos físicos e digitais estão abarrotados de pesquisas científicas apresentando dados, situações concretas e saídas de cuidados psíquicos para a comunidade escolar.
O que não temos tido é disposição política de enfrentamento, porque para sustentar investimento educacional, é preciso “muito peito” para não ceder à politicagem de palanque, que domina as esferas do poder. O excesso de quadros de adoecimento psíquico docente é por falta de cuidado com a educação, sobretudo, com o recurso humano mais importante desse sistema: o professor. Reconheço que, com raras exceções, não temos tido gestores políticos comprometidos com a educação de qualidade, já que negam desde o piso salarial à regularização de políticas públicas e leis federais, no maior caradurismo da falta de verba.
A docência, em sua essência, é um ato político de insurgência contra a desumanização. Enquanto os professores resistem no cotidiano escolar — entre a violência simbólica e a ausência crônica de políticas de saúde mental —, o debate público ainda se perde em abstrações que ignoram o óbvio: não há educação de qualidade sem condições dignas para quem educa. A solução não está em romantizar a resiliência, mas em confrontar a ‘desarquitetura’ sistêmica que transforma escolas em espaços de adoecimento coletivo.
Mas existem propostas concretas, leis e normas regulamentadoras que comprovam que é possível institucionalizar o cuidado, desde que haja coragem para priorizar pessoas sobre planilhas e soluções coletivas sobre problemas individuais. Não se trata de utopia, é uma questão de escolha entre perpetuar um modelo neoliberal que precariza vidas ou construir um pacto social onde a educação seja, de fato, prioridade.
A crise na saúde mental docente não é um incidente, mas um sintoma de um sistema educacional estruturado sobre a negligência. Pierre Bourdieu, em sua teoria da “violência simbólica” já alertava sobre mecanismos de dominação que naturalizam o sofrimento dos grupos marginalizados. No caso dos professores, essa violência se materializa na precarização das condições de trabalho, na culpabilização seletiva pelo fracasso sistêmico e na romantização do "sacrifício" como virtude profissional.
Quando Christophe Dejours – pioneiro da “psicopatologia do trabalho” – analisa o adoecimento psíquico em profissões intensivas em relações humanas, ele fala que a organização do trabalho é a responsável pelas consequências penosas ou favoráveis para o funcionamento psíquico do trabalhador. Para elucidar, Dejours enfatiza: a falta de reconhecimento e a impossibilidade de dar sentido ao trabalho são os verdadeiros combustíveis para a exaustão existencial.
Então penso: não por acaso, o Brasil enfrenta uma epidemia de burnout entre educadores (com dados alarmantes!).
Segundo a CNTE, 75% dos professores da educação básica pública relatam níveis críticos de estresse; enquanto 48% já foram diagnosticados com ansiedade ou depressão (Pesquisa Nacional de Saúde do Educador, 2022). O Observatório da Saúde do Professor aponta que 60% dos afastamentos por saúde entre docentes estão ligados a transtornos mentais, com destaque para síndrome do pânico e esgotamento profissional. Em comparação, dados da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) revelam que professores brasileiros estão entre os mais estressados do mundo: 83% afirmam trabalhar em ambientes fisicamente e emocionalmente desgastantes (TALIS, 2018).
Sabemos que essa realidade não é inevitável, mas fruto de escolhas políticas. Paulo Freire, em Pedagogia da Autonomia defendia que ensinar exige “consciência do inacabado”, mas também condições materiais para que a práxis educativa não se torne uma tortura. O subfinanciamento crônico da educação pública — com estados e municípios ignorando o piso salarial em 76% das redes, segundo o INEP, 2023 — aprofunda a desesperança.
[…]
Continua na próxima edição.
Lo-Ruama Lóring Bastos é Mestra em Educação e Docência, Sistêmica e Externas (Saeb/Ideb/Pisa); Devolutivas Pedagógicas; Mal-estar Docente; Cultura de bem-estar Escolar; BNCC e Letramento Socioemocional.