por Jamir Calili
Vivemos hiperconectados e, ironicamente, mais dispersos do que nunca. Notificações incessantes e feeds de redes sociais disputam nossa atenção a cada instante. Contudo, essa conectividade não tem se traduzido em compreensão ou calma: "nunca estivemos tão ligados, e nunca estivemos tão sós", observou a psicóloga Sherry Turkle. Os efeitos desse fenômeno já se fazem sentir: educadores relatam alunos ansiosos e distraídos; juristas veem debates técnicos atropelados por julgamentos sumários nas redes; e na política emerge uma polarização inédita. Em vez de promover diálogo qualificado, as plataformas digitais parecem acirrar divisões e emoções extremadas, com sérias implicações para a saúde mental de eleitores e até de políticos.
As redes sociais estimulam uma polarização política peculiar: instantânea, visceral e turbinada por algoritmos. A divisão ideológica é amplificada digitalmente. Posições opostas se reforçam em ciclos de curtidas e compartilhamentos. Estudos indicam que essas plataformas aumentam a ansiedade e a hostilidade, cristalizando visões extremas. Não por acaso, pesquisas ligam o uso do Twitter à queda do bem-estar e ao aumento da indignação política.
Esse confronto permanente gera medo e paranoia: eleitores passam a ver o “outro lado” como inimigo existencial. Jonathan Haidt aponta que o uso intenso de redes elevou casos de depressão e ansiedade em jovens, alerta válido também para adultos imersos no debate virtual. Em meio a memes e manchetes inflamadas, o debate técnico-racional se desfaz: evidências cedem lugar a retóricas fáceis em busca de aplauso imediato. Para políticas públicas darem certo, precisam se basear em princípios estáveis e não no vaivém dos trending topics. Decisões guiadas por cliques, em vez de critérios técnicos, levam a medidas erráticas e volatilidade institucional.
Outra consequência da hiperconexão é o enclausuramento em bolhas digitais, ambientes filtrados onde só ecoam vozes semelhantes. Cada grupo passa a habitar uma realidade paralela, com sua própria versão dos fatos. Expostos somente ao conteúdo que confirma suas crenças, eleitores desenvolvem convicções distorcidas, e muitas vezes delirantes.
Proliferam teorias conspiratórias e narrativas de perseguição, fantasias de fraudes eleitorais ou inimigos ocultos. Especialistas alertam que ficar preso nessas câmaras de eco alimenta um ciclo de ansiedade, medo e desconfiança. Em muitos casos, mesmo a realidade, noticiada constantemente, tem gerando ansiedade e sentimentos que tornam as pessoas desfuncionais e improdutivas, abandonado questões preciosas como o bom convívio doméstico e social. O psicanalista Rafael Kalaf ressalta que essa dinâmica favorece um “narcisismo coletivo”: cada bolha se crê dona da verdade. Essas bolhas acionam delírios compartilhados. O saldo é uma sociedade fragmentada em tribos virtuais, onde se perde o compromisso com fatos e com o diálogo, abrindo espaço para radicalização e sofrimento mental.
Nesse cenário, políticos e governantes aprenderam a usar as redes como palco. Lives semanais, tweets de efeito e vídeos emotivos viraram ferramentas da comunicação.
Muitos governantes criam nas redes uma sensação de eficiência, ainda que nem sempre entreguem resultados equivalentes. Projetos são anunciados online com pompa, mas a execução patina; medidas complexas viram slogans fáceis. Muitas vezes, importa mais parecer resolutivo online do que ser de fato. Essa tendência independe de ideologia: direita e esquerda frequentemente privilegiam o engajamento virtual em detrimento do trabalho de base e do debate técnico.
Popularidade na timeline não equivale a resultado nas ruas. Um político pode brilhar online sem provar competência administrativa. Essa ilusão cobra um preço: sem melhorias concretas, aumentam a frustração e o descrédito na política.
Não há solução fácil para esse emaranhado digital, mas é preciso buscar equilíbrio. O próximo ano tende a intensificar essas tendências, por isso é fundamental um esforço coletivo e individual para manter a sanidade mental e cívica. Para o cidadão, isso significa cuidar da saúde mental, dosando o tempo online e evitando alarmismo, e preservar o senso crítico e o contato com a realidade. a vida não se resume à bolha virtual, e nem todo adversário político é inimigo. Também é urgente reaprender a dialogar: ouvir opiniões opostas com abertura, discordar sem demonizar e buscar pontos em comum.
Em resumo, é hora de usar a conectividade com parcimônia, colocando a tecnologia a nosso serviço. Se a hiperconectividade nos dispersa, precisamos focar no que importa: fatos, empatia e soluções reais. Assim, poderemos atravessar o ano com mais saúde mental e vigor democrático, construindo pontes em vez de muros. E isso vale especialmente para as próximos duas semanas, quando o convívio familiar e social saudáveis devem prevalecer sobre as disputas políticas.
Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.





