Consolidar os protocolos de atendimento na rede estadual que serve às mulheres em situação de violência e facilitar a disseminação das informações entre as entidades participantes. Essas foram as diretrizes defendidas pela Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher, como formas de agilizar o atendimento às vítimas e prevenir a revitimização destas.
Em reunião nesta terça-feira (19/5/25), a presidenta da comissão, deputada Ana Paula Siqueira (Rede), resumiu demandas dos participantes, ao defender que aprofundar as discussões e análises sobre o tema propiciará o melhor cuidado das mulheres:
“É urgente um protocolo em nível estadual, que coloque em rede políticas de saúde, assistência, justiça e outras; e a resposta do estado deve ser ágil, garantindo um atendimento humanizado e acessível em todos os territórios”.
A parlamentar avaliou que somente a ampliação das políticas públicas voltadas para esse segmento, com o respectivo aumento de recursos, vai fazer com que se reduzam os altos índices de feminicídio. Segundo o Anuário Brasileiro de Segurança Pública, em 2024, foram registrados 1.492 feminicídio e 87.545 estupros (maior número da história). E reagiu:
“Não podemos tolerar esses números – quase 1500 mulheres se foram e todos perdemos um pouco da nossa paz com essa matança de mulheres; isso tem que ter fim”. E cobrou do poder público ações: “Proteger as mulheres não é favor - é obrigação do estado zelar por nós; temos o direito de viver”.
A professora da pós-graduação em psicologia da PUC Minas Ana Pereira dos Santos lembrou que a criação do protocolo geral para atendimento às mulheres começou a ser pensado em 2024 na Fiocruz. A proposta, de acordo com ela, é de um arranjo interinstitucional, que tem como uma de suas inovações a perspectiva interseccional.
“As mulheres negras são as mais atingidas pela violência; então é importante o marcador raça/cor, que foi negligenciado por muito tempo”, disse.
Para ela, nessa abordagem também é preciso pensar nos meninos, que ainda são socializados a partir da masculinidade violenta.
“A violência é um elemento da sociabilidade de homens na América Latina; no Brasil, ser homem é ser um pouco violento”, enfatizou.
Acesso
A defensora Luana Borba Iserhard, coordenadora de promoção e defesa dos direitos das mulheres da Defensoria Pública Estadual valorizou a importância dos protocolos, como forma de ampliar o acesso delas à justiça.
“Há recortes de raça, de classe e outros, que revelam as desigualdades de um sistema pretensamente neutro; e os protocolos nos orientam a atuar de forma transversal”, refletiu.
Na sua avaliação, a criação de um protocolo nacional é um caminho para a mulher aumentar sua confiança nas instituições e conseguir sair do círculo da violência. “Vinte e cinco por cento das mulheres vítimas de violência doméstica não buscaram ajuda no sistema oficial”, registrou.
Já Isabel Araújo Rodrigues, coordenadora da Rede de Enfrentamento às Violências contra as Mulheres e Meninas de Minas Gerais (Rede/MG), elogiou a criação desse protocolo padronizado. Por outro lado, advertiu que o atendimento não será melhorado se não se investirem mais recursos, o que permitirá a contratação de mais profissionais e a melhor estruturação das áreas.
A atuação em rede no atendimento às mulheres, por se tratar de um problema complexo e multifatorial, é um pressuposto da Lei Maria da Penha. Foi a informação prestada por Leonardo Guimarães Moreira, representante do presidente do Tribunal de Justiça de Minas Gerais.
Falando da atuação do TJMG, destacou que o Poder realiza a Semana da Justiça pela Paz em Casa, com todas as comarcas desenvolvendo ações em rede, de prevenção à violência contra as mulheres. E divulgou que foram inauguradas duas varas especializadas para as mulheres, em Contagem (Região Metropolitana de Belo Horizonte) e em Uberaba (Triângulo).
Órgãos abordam ações de prevenção e combate à violência de gênero
A comandante da 2ª Companhia Independente de Prevenção à Violência Doméstica, major Bruna Ortenzio Lopes, valorizou o fato de a Polícia Militar estar presente em todos os 853 municípios mineiros, o que lhe dá maior capilaridade.
Ela informou que a corporação atua com um protocolo de atendimento específico, que garante resposta rápida aos acionamentos por meio do telefone 190. “Acompanhamos a vítima, promovendo a garantia dos seus direitos; ouvimos as testemunhas e fazemos os encaminhamentos”, afirmou.
Apresentou também dois vídeos da PM que buscam encorajar as vítimas a denunciarem os autores da violência e reduzir a subnotificação dos casos. “O feminicídio ocorre na maioria das vezes quando a vítima não denuncia; temos que lutar por esse encorajamento da mulher”, concluiu.
A delegada Larissa Campos Falles, diretora estadual de Gestão das Delegacias de Mulheres, destacou alguns projetos desenvolvidos pela Polícia Civil. Citou o Chame a Frida, que funciona em 99 municípios, que concerne num assistente virtual da PCMG de apoio a mulheres vítimas de violência doméstica. E falou da criação do protocolo de atendimento para esse público nos hospitais, para impedir a revitimização.
Sandra Soares Souza, coordenadora de Vigilância de Condições Crônicas da Secretaria de Estado de Saúde, informou que o Ministério da Saúde colocou entre os objetos de notificação compulsória a violência contra a mulher.
“A notificação pode ser feita também por outros órgãos; no âmbito da saúde, as violências relatadas não têm o caráter da denúncia – são um instrumento da vigilância epidemiológica, para orientar outras políticas”, disse.
Apenas 17% das mulheres acionam a justiça
A promotora de justiça Denise Guerzoni Coelho destacou que o Ministério Público criou o projeto Alerta Lilás, de prevenção à violência de gênero.
“Era preciso buscar a mulher fora do escopo da justiça, afinal, só 17% estão nesse sistema”, declarou. Ela falou ainda das campanhas em hospitais lançadas em agosto, de orientação sobre a Lei Maria de Penha. Coordenadora do Centro de Apoio das Promotorias de Combate à Violência Doméstica e Familiar Contra a Mulher, Coelho anunciou a criação ainda este mês do grupo de intervenção estratégica contra esse tipo de violência.
O programa Proteja Minas, que começou em escolas de Ubá (Mata), abordando meninas sobre a prevenção da violência, foi enfatizado pela subsecretária de Prevenção à Criminalidade da Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública, Christiana Dornas Rodrigues. Também destacou o Programa Mediação de Conflitos, que completou 20 anos, e que conta com 33 unidades de prevenção, atendendo a 200 territórios vulneráveis.
Ligue 180
Maura Conceição de Souza, da Secretaria Nacional de Enfrentamento à Violência contra a Mulher do Ministério das Mulheres, valorizou a central de atendimento Ligue 180.
“Temos mais de 300 mulheres trabalhando na central, encaminhando as vítimas”, disse. Abordou a Casa da Mulher Brasileira, que pretende integrar todas as políticas de apoio às mulheres, o que inclui a atuação de órgãos do MP, da DP, das Polícias e das guardas municipais.
Ela declarou ainda que o estado de Minas está em processo de implementação da Casa da Mulher Brasileira, mas atrasado.
“Tem que haver vontade política; o recurso federal já está com Minas Gerais há muito tempo; temos cobrado do governo e acreditamos que até ano que vem a Casa da Mulher Brasileira ficará pronta”, avaliou.
A deputada federal Célia Xakriabá (PSOL) lamentou que a cada minuto, uma mulher é vítima de feminicídio.
“As mulheres indígenas sofrem ainda mais; vimos há pouco meninas yanomamis abusadas em troca de comida no garimpo ilegal”, relatou.
Depoimentos
Sobreviventes de tentativas de feminicídio também participaram da reunião e destacaram a importância do trabalho de órgãos da rede de proteção. Jennifer Oliveira contou sobre os nove anos de violência e medo, até a tentativa de feminicídio, que a obrigou a pular de uma altura de 7 metros. Como relatou, o trabalho das equipes, sobretudo o acolhimento pela PM, foi essencial para que ela sobrevivesse.
Patrícia Pereira Celebrou a vida de Dona Natalina, 86 anos, moradora de Almenara (Jequitinhonha). Esta se casou aos 50 anos e, dos 80 aos 85, passou a sofrer violência do parceiro e de outros que ele arregimentou.
“A política pública chegou até ela; eu vim agradecer por vocês trabalharem de forma tão empenhada”, comemorou.
Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais





