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Criação de subcorregedoria contra assédio na Polícia Civil é cobrada

Morte de escrivã que teria sido assediada moral e sexualmente em delegacia é lembrada em audiência pública da Comissão dos Direitos da Mulher como marco a não ser repetido.
Outras supostas vítimas de assédio na Polícia Civil, assim como Rafaela, também relataram seus casos na audiência da Comissão de Defesa dos Direitos da Mulher. Foto: Willian Dias/ALMG
quinta-feira, 11 abril, 2024

A criação iminente de um núcleo de orientação, prevenção e combate ao assédio pela Corregedoria-Geral de Polícia Civil é a mais recente resposta da instituição mineira à morte da escrivã Rafaela Drumond, de 32 anos.

Mas, na avaliação da maioria dos participantes da audiência pública realizada pela Comissão dos Direitos da Mulher na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), na tarde desta quarta-feira (10/4/24), isso ainda não é suficiente.

Consulte o resultado e assista ao vídeo completo da reunião

Rafaela teria tirado a própria vida no dia 9 de junho de 2023, dentro de casa, no município de Antônio Carlos (Região Central), após supostamente sofrer assédio moral e sexual dos colegas na Delegacia de Carandaí (Central), conforme teria relatado a uma amiga.

O requerimento que possibilitou o debate, que durou quase cinco horas, é de autoria da deputada Beatriz Cerqueira (PT). Ela cobrou do Executivo a criação de uma estrutura mais específica e especializada, com pessoal e recursos, como uma subcorregedoria especial, com capacidade plena de investigação.

Essa demanda foi reforçada na reunião pela presidente da Associação dos Escrivães da Polícia Civil (Aespol), Aline Risi dos Santos, e pela diretora de Comunicação do Sindicato dos Escrivães de Polícia de Minas Gerais (Sinep), Raquel Ramos Faleiro Cruz. “Quem entra na Polícia Civil sabe que vai sofrer pressão interna e externa, mas o assédio é um caso de perversão”, definiu Aline.

Já Raquel sugeriu que a subcorregedoria especial poderia inclusive contar com equipes especiais femininas para tratar especificamente da violência sexual. “Já existem diretrizes apontando que o crime contra a mulher deve ser preferencialmente apurado por mulheres. Por que não a Corregedoria dar assim um atendimento digno para essas denunciantes?”, questionou Raquel.

“O caso da Maria da Penha, que deu origem a lei, foi um marco no combate à violência contra a mulher. O que nós queremos é que o caso da Rafaela seja também um marco para os casos de assédio moral e sexual, já que o que se tinha antes, e ainda agora, em termos de investigação e leis, não tem sido suficiente. Precisamos saber de uma vez por todas onde o Estado falhou com a Rafaela para que isso não aconteça mais”.

Beatriz Cerqueira
Dep. Beatriz Cerqueira

Esta foi a quarta audiência pública na ALMG em que o caso foi lembrado. Entre os convidados, mais uma vez, o pai de Rafaela, Aldair Divino Drumond, que criou o Instituto Rafaela Drumond para o acolhimento de pessoas vítimas de assédio ou qualquer tipo de discriminação.

Ele acusou um inspetor de ter importunado sexualmente a filha e um delegado de ter acobertado o caso, com a conivência do restante da equipe da delegacia na época, que a teria assediado moralmente.

“Eu tenho certeza do que eu estou falando. Até no necrotério quando fui buscar o corpo da minha filha eles me assediaram também. Na Corregedoria, é muita teoria, mas nada funciona na prática, tudo é muito parcial”, denunciou Aldair.

Assédio de segunda ordem também preocupa

Ao menos cinco supostas vítimas dentro da Polícia Civil também relataram na audiência o assédio e a perseguição que teriam sofrido, inclusive após denúncias na Corregedoria, reforçando a necessidade de uma estrutura mais ágil e efetiva de investigação. Segundo os relatos, a situação não se alterou nem mesmo depois da morte de Rafaela.

Foto: Willian Dias/ALMG

Todas contaram ter se submetido ou ainda estar em tratamento psicológico após os fatos. Uma delas participou da audiência pública utilizando uma coroa de espinhos na cabeça, em alusão ao sofrimento pela qual vem passando.

“No meu caso o policial que me assediou confessou na frente do delegado e do inspetor. Ela contou o que fez comigo dentro de uma viatura, mas para minha surpresa a Corregedoria me pôs como sindicada (investigada). Aí eu percebi que para a Corregedoria eu nunca fui uma vítima”, contou, bastante abalada, uma investigadora, o que levou a reunião a ser suspensa por alguns minutos.

“A Rafaela entrou na Polícia Civil cheia de autoestima, vibrante, e nós, como ela, também pensamos que estava entrando numa instituição moderna, atual, não em um local onde impera o machismo, o assédio, parada na década de 1960. Precisamos de leis sérias, que funcionem, porque o assediador não tem misericórdia da vítima. O assédio mata, ela ficou doente e não conseguiu desabafar com pais”. Aldair Drumond (Pai da Rafaela)

Beatriz Cerqueira cobrou mais transparência e efetividade da Polícia Civil no recebimento e investigação dos casos de assédio, no amparo e proteção das denunciantes e, ainda, no acompanhamento da saúde mental de todos os servidores da instituição. Ela lembrou a necessidade inclusive de combater o chamado assédio de segunda ordem, que acontece após a denúncia do primeiro assédio.

Foto: Willian Dias/ALMG

“O crime de assédio, quando a vítima é uma mulher, é muito mais fácil de ser descaracterizado, pois ela é tratada como louca, surtada, estressada”, ironizou.

“Esta não é uma audiência de avaliação da Polícia Civil, nós queremos instituições fortes. Mas para que elas sejam fortes precisam ser ambientes seguros para as mulheres e prestar informações à sociedade”, completou.

A presidenta e a vice da Comissão da Mulher, respectivamente Ana Paula Siqueira (Rede) e Delegada Sheila (PL), reforçaram a importância deste tipo de debate.

Esta última inclusive lembrou que os casos de assédio vão além a questão do gênero, reforçando a necessidade de proteção tanto do denunciante quanto do denunciado até que as apurações sejam concluídas.

Já Professor Cleiton (PV) lembrou que o mundo enfrenta atualmente um epidemia de autoextermínio.

As deputadas Ana Paula Siqueira (E) e Beatriz Cerqueira conversam com Aldair, pai de Rafaela Drumond, que teria tirado a própria vida após sofrer assédio sexual e moral. Foto: Willian Dias/ALMG

“A cada três minutos temos um caso de suicídio e parte disso vem das formas de assédio, como a que acontece no trabalho. O assediador tem que ser extirpado da administração pública”, cobrou.

Denúncias aumentam, mas são fração pequena na Corregedoria

O assessor jurídico da Corregedoria-Geral de Polícia Civil, delegado Pedro Henrique Cunha, relatou um aumento gradativo das denúncias de assédio, moral ou sexual, no órgão. Foram apenas três casos em 2019, 12 em 2020, 11 em 2021, 18 em 2022 e 35 no ano passado.

Foto: Willian Dias/ALMG

Apesar disso, na avaliação dele, este tipo de caso ainda representa apenas cerca de 1% de todos os procedimentos em andamento: 44 de 4.059 procedimentos, em um universo de 12.748 servidores efetivos, além de terceirizados e cedidos.

E a Ouvidoria, conforme o delegado, tem capacidade investigativa plena e estaria assim cumprindo sua missão ao instruir inquéritos policiais por meio de sindicâncias e processos administrativos disciplinares. Estes podem acontecer inclusive paralelamente no âmbito das cinco subcorregedorias e 16 núcleos que funcionam por todo o Estado.

Mas, segundo ele, a morte da Rafaela fez com que esse tipo de problema fosse cuidado com mais atenção no âmbito da Polícia Civil e a criação do novo núcleo de orientação, prevenção e combate ao assédio, conforme anunciou na audiência, será o próximo passo nesse sentido.

“A primeira lei em Minas Gerais sobre isso é de 2011. É um tema novo, mas que tem preocupado as autoridades e tem marcado uma mudança da cultura institucional dentro da Corregedoria”, definiu o delegado.

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Sobre o andamento das investigações da morte de Rafaela, ele lembrou que o inquérito correu sob segredo de Justiça, retirado quando o caso chegou ao Poder Judiciário.

De acordo com o delegado, um policial civil foi denunciado pelo crime de condescendência criminosa.

Esse crime acontece quando o servidor público deixa, por indulgência, de responsabilizar subordinado que cometeu infração no exercício do cargo ou, quando lhe falte competência, não levar o fato ao conhecimento da autoridade competente. 

Previsto no artigo 320 do Código Penal, a pena prevista para condescendência criminosa é de detenção de 15 dias a um mês, ou multa. As demais tipificações criminosas, ainda segundo o delegado, teriam sido descartadas pelo Ministério Público.

Em novembro do ano passado, conforme noticiado na Imprensa, essa policial teria fechado acordo em audiência preliminar para pagar multa de R$ 2 mil para se livrar do processo.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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