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Grupo da UFJF-GV pesquisa métodos para diagnóstico precoce da hanseníase

Por isso, trabalhos e estudos focados nesse contexto de saúde pública são tão importantes e necessários
Há 12 anos, Lúcia Fraga se dedica aos estudos sobre a hanseníase. A região de Governador Valadares é considerada endêmica para a doença. (Imagem: Aloizio Coelho)
segunda-feira, 30 junho, 2025

Governador Valadares e municípios vizinhos – como Teófilo Otoni, Mantena e Inhapim – apresentam uma alta taxa de novos casos de hanseníase por ano. A região ocupa o primeiro lugar em Minas Gerais em incidência da doença. Por isso, trabalhos e estudos focados nesse contexto de saúde pública são tão importantes e necessários. E uma dessas iniciativas é o Núcleo de Pesquisa em Hansenologia (NuPHans) do campus avançado da Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF-GV).

A professora Lúcia Alves Fraga, do Departamento de Ciências Básicas da Vida (DCBV), está à frente do grupo. No 13º episódio do IdPesquisa a docente narra um pouco da sua trajetória na ciência, como foi parar nos estudos da hanseníase, a importância desse trabalho para a sociedade e as principais descobertas do NuPHans sobre a doença. O programa já está disponível nas plataformas digitais da UFJF.

Uma vida dedicada à ciência

Não é mera coincidência que o nome Lúcia signifique iluminação e que ela integre uma universidade cujo lema é “espalhar a luz”. A professora emana um brilho contagiante no olhar ao falar sobre pesquisa e disseminação do conhecimento, principalmente quando o assunto envolve a hanseníase. Uma paixão que começou na década de 70, época em que a valadarense ingressou na graduação na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “A ciência me pegou quando eu estava fazendo o curso de farmácia e bioquímica”, recorda-se.

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O NuPHans reúne estudantes de graduação e doutorado. (Imagem: Aloizio Coelho)

Na mesma instituição, ela fez a pós-graduação, tendo sempre a pesquisa como seu principal foco. Inicialmente, ela dedicou-se aos estudos da esquistossomose, inclusive passou dois anos do doutorado na Universidade do Texas pesquisando a doença. Após a conclusão do pós-doc na Uniformed Service University of the Healt Science (USUHS), nos Estados Unidos, surgiu a oportunidade de retornar para Governador Valadares e continuar sua trajetória na pesquisa, só que agora concentrando-se na hanseníase.

No início de 2013, ingressa na UFJF e dá sequência aos estudos sobre a doença com a criação do NuPHans. Ao longo desses 12 anos, o grupo – que é mantido com verbas do CNPq, da Fapemig e da própria UFJF e que conta com a parceria do Centro de Referência em Doenças Endêmicas (Credemps) – tem desenvolvido uma série de ações, que incluem visitas às comunidades da região de Governador Valadares para orientação sobre as formas de transmissão e tratamento da doença; coleta e análise de urina, sangue e do solo; publicação de trabalhos e participação em eventos, inclusive fora do Brasil. Além disso, mantém um importante intercâmbio com pesquisadores da Emory University.

Menos estigma, mais conscientização

A discriminação envolvendo a hanseníase é, na avaliação de Fraga, o principal obstáculo ao diagnóstico e acompanhamento dos pacientes. É por isso que uma das frentes de atuação da pesquisadora e do grupo que ela coordena é justamente combater esse estigma.

“A gente olha para a doença de uma forma diferente, porque tem tratamento. É uma doença infecciosa causada por uma bactéria, mas ela é tratável. Desde 1980, foram definidos os antibióticos que garantem o tratamento”, enfatiza.

Fraga ainda explica que esse preconceito está relacionado, entre outros fatores, à forma como o poder público lidava com os pacientes.

“Quando ainda não tinham definidos quais antibióticos deveriam ser utilizados, as pessoas eram levadas para as colônias. Criaram-se muitas colônias no Brasil, inclusive em Betim [município da região metropolitana de Belo Horizonte]. E isso causou muitos problemas para as famílias, porque separavam os pais dos filhos. É uma coisa que aconteceu e trouxe um caráter de muita instabilidade no tratamento dessa doença.”

Apesar dessas dificuldades, a equipe do NuPHans – formada por estudantes de graduação e pós-graduação do campus – segue firme no propósito de diagnosticar precocemente a hanseníase, o que é a chave para um maior sucesso do tratamento. E esse processo envolve várias etapas, que começam com visitas às áreas endêmicas de Governador Valadares e região para fazer o levantamento dos casos e acompanhar os contatos.

“A gente vai nessas localidades, aplica questionários, conhece as pessoas e começa, então, a coleta de material para fazer a investigação. Coletamos o sangue e levamos ao laboratório para separar células, soro e, a partir daí, investigar se existe algum indicador da presença da infecção.”

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Para Lúcia Fraga, a chave do tratamento é o diagnóstico precoce. (Imagem: Aloizio Coelho)

Apesar dessas dificuldades, a equipe do NuPHans – formada por estudantes de graduação e pós-graduação do campus – segue firme no propósito de diagnosticar precocemente a hanseníase, o que é a chave para um maior sucesso do tratamento. E esse processo envolve várias etapas, que começam com visitas às áreas endêmicas de Governador Valadares e região para fazer o levantamento dos casos e acompanhar os contatos.

“A gente vai nessas localidades, aplica questionários, conhece as pessoas e começa, então, a coleta de material para fazer a investigação. Coletamos o sangue e levamos ao laboratório para separar células, soro e, a partir daí, investigar se existe algum indicador da presença da infecção.”

Marcos Daniel Silva Pinheiro faz parte do NuPHans. Estudante de doutorado do Programa Multicêntrico de Pós-graduação em Bioquímica e Biologia Molecular (PMBqBM), ele concentra sua pesquisa nos métodos diagnósticos moleculares da doença. O discente trabalha no sequenciamento e investigação de três genes que, quando mutados, oferecem resistência aos medicamentos utilizados no tratamento. Tudo isso com o objetivo de auxiliar no diagnóstico precoce da hanseníase. Orientado por Lúcia na pós-graduação, o estudante destaca a importância da professora na sua formação e para a ciência.

“Esse papel da Lúcia em nos direcionar, orientar, apresentar os campos de pesquisa, as parcerias e estimular as publicações é de fundamental importância em todo o processo de aprendizagem e de desenvolvimento de pesquisas para nossa região, principalmente dentro da hanseníase”.

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Marcos Pinheiro faz doutorado na UFJF-GV sob a orientação de Lúcia Fraga. O estudante integra o NuPHans. (Imagem: Arquivo Pessoal)

Maisa Pereira Vieira é mais uma estudante de pós-graduanda do campus a compor o NuPHans. Tanto no mestrado quanto no doutorado – que cursa atualmente – a discente do PMBqBM conta com a orientação de Fraga.

“A professora Lúcia foi fundamental para esse processo todo! Quando eu iniciei o mestrado, ela me acolheu na pesquisa, apostou em nosso crescimento, nos deu oportunidade de participar de eventos nacionais e internacionais e sempre que pode contribui para o nosso aprimoramento na pesquisa. Hoje, as parcerias que o grupo tem são graças a nosso esforços em pesquisa, mas, principalmente dela”. Desde o mestrado, Vieira estuda os aspectos nutricionais relacionados à hanseníase, com o objetivo de avaliar um biomarcador que possa prever o adoecimento ou indicar que uma pessoa vai desenvolver uma forma mais grave ou ter maior facilidade de desenvolvimento da doença, por exemplo.

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A doutoranda Maisa Vieira, do NuPHans, pesquisa os aspectos nutricionais da hanseníase. (Imagem: Arquivo Pessoal)

Últimas descobertas e futuro do tratamento

Atualmente, o grupo se concentra em seu mais recente achado. Após analisar o sangue de pessoas que foram infectadas pela bactéria da hanseníase (Mycobacterium leprae), um componente chamou a atenção de Fraga.

“Nos indivíduos que deram positivo eu encontrei uma substância, além do anticorpo específico, que pode ser indicador de uma infecção subclínica. O NuPHans está investigando outros biomarcadores que possam nos dar condições de afirmar que aquela pessoa tem, de fato, uma infecção subclínica”, comemora a pesquisadora.

Fraga defende que todos os esforços de pesquisa do grupo se concentrem na “definição dos marcadores que devem ser utilizados para fazer o diagnóstico, porque essas pessoas, sendo tratadas precocemente, interrompe-se a cadeia de transmissão. Isso é o objetivo maior”.

A pesquisadora também demonstra otimismo em relação ao futuro do tratamento.

“Vamos chegar em um determinado ponto em que vai ser estabelecido que para fazer um diagnóstico precoce é importante usar tais e tais métodos, como está acontecendo com a tuberculose. Com a tuberculose já deu-se um passo à frente, já avançou. Com a hanseníase, eu concluo que vamos chegar a esse ponto: usar testes mais sensíveis, que não sejam tão caros, e que seja mais rápido e fácil fazer o diagnóstico.”

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