por Lo-Ruama Lóring Bastos
Quando pensamos em Educação, nossa mente logo voa para as salas de aula, os livros didáticos e as teorias acadêmicas. No entanto, a verdadeira educação, aquela que forma cidadãos conscientes, críticos e conectados com o mundo acontece também em outros espaços. Ela está, por exemplo, no prato de comida que saboreamos, preparamos ou servimos.
Eventos como o Festival Abrasel, que está acontecendo em Governador Valadares dentro das 67 empresas participantes, reúne a nata dos bares e restaurantes e são vitrines deliciosas do ecossistema complexo e fascinante da gastronomia. Além dos preciosos momentos sociais, eles são uma oportunidade ímpar de educar nosso paladar e nossa consciência sobre a importância do alimento, do campo, dos produtores rurais e de toda a cadeia do agro, que é a espinha dorsal da nossa economia e da nossa cultura.
A começar pela origem. Cada tomate suculento, cada folha de alface crocante, cada grão de café aromático é o ponto final de um longo processo que envolve ciência, trabalho árduo, paciência e uma relação íntima com a terra. O produtor rural é, antes de tudo, um educador da natureza. Ele entende os ciclos do clima, a qualidade do solo e a biologia das plantas. Ao valorizarmos a procedência dos ingredientes, celebrados nos pratos dos chefs durante o festival, estamos promovendo uma educação alimentar e ambiental. Aprender que os alimentos não nascem no supermercado é uma lição fundamental para crianças e adultos.
Este é um dos papéis sociais mais nobres da gastronomia moderna: ser uma ferramenta de educação sensorial e crítica. O filósofo e sociólogo francês Michel de Certeau, em seus estudos sobre o cotidiano, já defendia que práticas aparentemente banais, como cozinhar e comer, são poderosos atos de criação cultural e formas sutis de resistência. Ao escolhermos um queijo artesanal, um corte de carne de produtores locais ou um legume orgânico, basicamente estamos votando com o garfo. Estamos nos educando sobre consumo responsável, economia circular e apoio ao comércio local. O Festival de Gastronomia Abrasel, nesse sentido, transforma-se em uma grande feira de ciências aplicadas, onde química, biologia e sustentabilidade se encontram no sabor, na prosa feita à mesa, no afeto de cada prato.
Contudo, não podemos negar a dimensão humana e social dos bares e restaurantes. Eles são as ágoras modernas, espaços de convívio, debate e prazer. O ato de compartilhar uma refeição é um dos rituais mais antigos e educativos da humanidade. É à mesa que se fecham negócios, se celebram conquistas, se fortalecem amizades e se transmitem histórias. O lazer e a diversão oferecidos por esses estabelecimentos não são meros entretenimentos, são necessidades humanas fundamentais que educam para a empatia, o diálogo e a qualidade de vida.
O geógrafo Milton Santos, um dos mais importantes pensadores brasileiros, ensinava que o território é também constituído por afetos e sabores. Essa ideia é personificada pelo presidente da Abrasel Vale do Rio Doce, Fred Paixão, cujo próprio nome já evoca o sentimento e o entusiasmo que definem a relevância do festival para Governador Valadares e região. Apaixonado pelo setor de alimentação fora do lar, Fred emociona-se ao falar sobre a importância do festival para a cidade, e ao destacar o valor dos ingredientes regionais, utilizados como elementos centrais nos pratos da competição. O carro-chefe desta edição de 2025 é a combinação de queijo e cachaça, ambos produzidos localmente e que conquistam crescente notoriedade entre os consumidores, graças à criatividade e inovação das receitas dos chefs.
Em uma era cada vez mais dominada pelas interações digitais e relações virtuais, o ato de sentar-se à mesa para uma refeição transcende a mera necessidade fisiológica. Ele se transforma em um poderoso ritual de humanização, um antídoto à impessoalidade dos tempos modernos. O Festival Abrasel, ao ocupar generosamente o espaço da cidade com mesas fartas, critérios democráticos, aromas convidativos e, sobretudo, com pessoas compartilhando experiências, nos convida a uma reflexão profunda e saborosa.
Mais do que um evento gastronômico, o festival é uma celebração da materialidade e do afeto, e que jamais deve ser retirado do calendário municipal. Ele nos lembra que entender a jornada integral do alimento, desde o plantio e o cuidado com a terra, passando pelas mãos que colhem, transportam e transformam, até o momento culminante da degustação compartilhada, é, na verdade, compreender nosso próprio lugar no mundo e nossa intrínseca conexão com o outro. É uma educação integral para a vida, que simultaneamente alimenta o intelecto com conhecimento, fortalece o corpo com nutrição de qualidade e nutre a alma com a alegria do convívio, das gargalhadas e das trocas.
Que possamos, portanto, frequentar este festival não apenas como comensais em busca de prazer sensorial, mas como alunos curiosos e dispostos. Prontos para apreciar em cada garfada, a complexa e belíssima teia de saberes tradicionais, inovações, histórias e afetos que, diariamente se entrelaçam para servir em nossa mesa o verdadeiro prato de cada dia: o sentido de comunidade, de identidade e de pertencimento.
É nessa síntese entre o prazer da mesa, a valorização do local e a força do tecido social que reside a mais potente lição. O Festival Abrasel, em sua essência, transforma Valadares em uma grande sala de aula ao ar livre, onde o currículo é escrito não em livros, mas em receitas, aromas e histórias compartilhadas. Ele nos educa pelo paladar e pelo afeto, lembrando-nos de que sentar-se à mesa é o ato mais ancestral e revolucionário de construir comunidade e reafirmar, a cada garfada, que o verdadeiro sabor do progresso é aquele que nos une. Bom apetite!
Mais informações: @abraselvaledoriodoce
Sobre a autora
Lo-Ruama Lóring Bastos é mestra em Educação e Docência pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). É Pesquisadora, Historiadora, Professora do Ensino Superior, Consultora Educacional. Trabalha com Formação de Gestores e Professores; Competências Socioemocionais; Qualidade da Saúde Mental no Ambiente de Trabalho; Mal-estar Docente e Escolar.
Contato: @viamestra





