Me sinto estrangeiro em qualquer outra cidade ou lugar que não seja a minha cidade, Governador Valadares, a cidade amada, lugar em que me sinto em casa, me sinto parte das ruas. Esse sentimento é próprio de quem se integra ao seu lugar, ao pó da estrada onde deu os primeiros passos.
Até os 10 anos de idade, para mim só existia um lugar no mundo: Governador Valadares. Mas num dia de 1974 (não me lembro da data certa), eu conheci outra cidade: Belo Horizonte. Eu era criança e lembro com riqueza de detalhes das minhas primeiras visões da capital de Minas Gerais. Meu pai andava muito rápido e, segurando a minha mão, quase me arrastava pelas ruas Guaicurus, Caetés, Goitacazes, Tupinambás, Aimorés, Guajajaras, Tamoios, Tapuias, Timbiras, Tupis...
Passamos também pelas avenidas Afonso Pena, dos Andradas, Amazonas. E eu estava encantado com o tanto de carro, gente, vendedores ambulantes, prédios altos, que meu pai dizia ser "arranha-céus". E eu olhava tudo, filmava tudo com os meus olhos de criança, que enxerga tudo numa escala maior.
Naquela época eu era como o meu pai, que amava música e nunca se desgrudava do rádio de pilha. E eu já ouvia Tom Jobim, Vinicius de Morais, Noel Rosa, Chico Buarque, Roberto Carlos, Nara Leão, ouvia os sambas que meu pai ouvia, mas eu não conhecia nada sobre o Clube da Esquina. E eu estava na cidade deste "clube", cruzando várias esquinas, sem saber onde estava.
O tempo passou e eu, adolescente, quase adulto, ouvi o disco Clube da Esquina. E uma música me chamou a atenção, assim, tocou o meu coração como uma flecha, e me fez voltar ao passado. O nome da música: Ruas da Cidade, composta por Lô e Márcio Borges.
Quanta sutileza nesta poesia musicada. É uma síntese histórica de Belo Horizonte, uma cidade que não é minha, onde me sinto estrangeiro, mas, de certa forma, faz parte da minha vida.
Guaicurus, Caetés, Goitacazes
Tupinambás, Aimorés
Todos no chão
Guajajaras, Tamoios, Tapuias
Todos Timbiras, Tupis
Todos no chão
A parede das ruas
Não devolveu
Os abismos que se rolou
Horizonte perdido no meio da selva
Cresceu o arraial
Arraial
Passa bonde, passa boiada
Passa trator, avião
Ruas e reis
Guajajaras, Tamoios, Tapuias
Tupinambás, Aimorés
Todos no chão
A cidade plantou no coração
Tantos nomes de quem morreu
Horizonte perdido no meio da selva
Cresceu o arraial
Arraial
E essa música, entre todas do Clube da Esquina, mexe comigo. Entre 2010 e 2012 eu andei a pé por essas ruas, indo e vindo das aulas do mestrado que eu cursei no Centro Universitário UNA, cujo prédio está fincado na Rua Guajajaras. E nessas idas e vindas, a música Ruas da Cidade tocava em looping na minha mente.
E eu pensava: será que eu e meu pai cruzamos com Lô Borges e Márcio em algumas dessas ruas, em 1974? Talvez, pensava. A possibilidade existia, não é?. E anos e anos depois, esse encontro aconteceu.
E foi no dia 27 de abril de 2011, em uma livraria da Savassi. Eu fui ao relançamento do livro "Os sonhos não envelhecem", de Márcio Borges. E com a minha mania de chegar cedo ao lugares onde acontecem eventos, cheguei cedo demais e não havia movimentação alguma. Pensei: putz, cheguei cedo demais.
Mas havia, na porta, uma pessoa, que se posicionava como recepcionista. Era o Lô Borges. Sim, era o Lô.
Me apresentei a ele, e ele se lembrou de mim, Tim Filho, de Governador Valadares, afinal, em 16 de outubro de 2009, menos de 2 anos antes, já havíamos nos encontrado em Governador Valadares, quando o Lô, a meu convite, se apresentou no Valadares Jazz Festival, em um show maravilhoso no Auditório do Imaculada. Conversamos um pouco na porta e ele me disse: pode entrar, o Marcinho já está lá dentro.
Todas essas lembranças mexem comigo nesta segunda-feira (3/11), quando o Brasil lamenta a morte de Lô Borges, um nome que vive para sempre em minhas lembranças, e em cada metro das nas ruas Guaicurus, Caetés, Goitacazes, Tupinambás, Aimorés, Guajajaras, Tamoios, Tapuias, Timbiras, Tupis...
Dizem que Leon Tolstói disse: se queres ser universal, canta a tua aldeia. Ao cantar Belo Horizonte, Lô se tornou universal. E eterno!
Obrigado, Lô!





