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domingo, 7 setembro, 2025

O equilíbrio das contas públicas e o futuro da cidade

Leia a coluna desta semana de Jamir Calili
Gestão Pública. Foto: Reprodução da Internet

por Jamir Calili

Falar de finanças públicas nunca é tarefa simples. Os números podem parecer frios, mas eles carregam em si a vida concreta das pessoas. Uma prefeitura que fecha o mês no vermelho não deixa somente de honrar contratos: ela compromete o funcionamento do posto de saúde, da escola do bairro, da coleta de lixo. Ao contrário do governo federal, que pode emitir títulos da dívida ou até mesmo moeda, os municípios vivem uma realidade semelhante ao orçamento doméstico. Se a receita não cobre a despesa, o resultado é paralisar serviços. E, como sabemos, quando o serviço público falha, os mais pobres são sempre os que mais sofrem.

Por isso, mesmo adotando uma postura independente em relação ao governo municipal, não torço pelo fracasso do prefeito. Um governo que vai mal significa comércio desaquecido, desigualdade crescente, pobreza alastrada. Reconheço que cada gestão tem o direito de imprimir o seu estilo, suas prioridades e até a sua marca. Mas há algo que está acima da vontade política: a realidade das finanças. E, como costumo dizer, os números não costumam mentir.

É verdade que uma boa gestão pode fazer diferença. Uma gestão honesta pode fazer ainda mais diferença. Mas há limites estruturais que nenhum governante consegue ignorar. Governador Valadares tem uma população de porte médio, mas com renda per capita inferior à média nacional. Isso significa que nossa capacidade de arrecadar é menor, justamente quando a demanda por serviços públicos é maior. Quando comparamos nosso orçamento com cidades como Uberaba, percebemos um abismo: temos população equivalente, mas um orçamento muito menor, para uma população mais pobre.

Diante desse quadro, o primeiro ano da nova gestão poderia ter sido dedicado a reorganizar a casa, ajustando despesas, revendo processos e planejando o longo prazo. Mas o que se vê é uma pressa em mostrar resultados imediatos. Obras anunciadas, promessas de novas unidades de saúde, ampliação do tempo escolar, novos programas. Tudo isso é relevante, mas precisa caber no bolso da cidade. O risco é comprometer a sustentabilidade das contas e caminhar para um colapso fiscal que não começou agora, mas que se agrava.

O maior sinal de alerta está na despesa com pessoal. Parte do crescimento é vegetativo: progressões automáticas e aposentadorias que pressionam a folha. Mas há também aumento no número de cargos comissionados, secretarias mais caras e contratações temporárias. Esse quadro, somado à ampliação de serviços permanentes, pressiona ainda mais um orçamento já apertado.

Vale esclarecer: não sou contra ampliar a rede de saúde, nem contra melhorar a educação ou reforçar a presença do Estado em áreas essenciais. Mas, sem planejamento financeiro sólido, o risco é criar estruturas que não poderão ser mantidas. Quando faltar dinheiro, não será o prefeito ou os secretários que sofrerão: será a população que verá o posto de saúde sem remédio, a escola sem professor, a rua sem coleta de lixo.

Outro aspecto é o tempo da gestão pública. Políticas consistentes não amadurecem em meses. Exigem anos de preparo, estudos, licitações, execução. Quando se abandona o planejamento em nome de resultados imediatos, compromete-se o futuro. É preciso ter paciência histórica para colher bons frutos.

Por isso insisto: discutir finanças públicas não é falar de números frios, mas de sonhos possíveis. Governar é escolher. E escolher implica dizer “não” para alguns projetos, a fim de garantir que outros, mais urgentes, possam ser realizados com qualidade. A disciplina financeira é condição de justiça social.

Minha postura na Câmara continuará sendo a de fiscalizar com independência, sem submissão e sem revanchismo. Não me move a vontade de atrapalhar, mas de alertar. Um bom aviso vale muito. Quem ouve conselho não ouve coitado. Se continuarmos ampliando despesas sem equilíbrio com as receitas, caminharemos para um colapso anunciado.

O desafio do prefeito, e de todos nós que participamos da vida pública, é equilibrar o presente e o futuro. É não se deixar seduzir por promessas fáceis, mas enfrentar a dura realidade das contas. É entender que, quando se trata de finanças públicas, honestidade e competência são virtudes necessárias, mas não suficientes. É preciso coragem para dizer a verdade, fazer escolhas e preparar a cidade para um amanhã mais justo.

E que o leitor leve desta reflexão um ponto essencial: as finanças públicas não são um tema técnico restrito a economistas ou contadores. Elas dizem respeito ao ônibus que você pega, ao médico que te atende, à creche que acolhe seu filho. São, portanto, responsabilidade de todos nós. Porque, no fim, quem paga a conta – seja com impostos mais altos, seja com serviços piores – é sempre o cidadão.

Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.

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