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Política de logística reversa deve garantir dignidade aos catadores

Reunião ouviu lideranças desses trabalhadores, especialistas e gestores buscando subsídios para elaboração de PL sobre o tema.
Convidados defenderam a valorização das entidades dos catadores de materiais recicláveis. Foto: Henrique Chendes ALMG
quarta-feira, 6 agosto, 2025

Uma política estadual de logística reversa que garanta dignidade aos catadores de resíduos, apoiando cooperativas desses trabalhadores, e que exclua programas que permitam a empresas comprar créditos de reciclagem. Esse foi o desenho traçado por participantes de reunião da Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG), nesta terça-feira (5/8/25).

Solicitada pelas deputadas Bella Gonçalves (PSOL) e Leninha (PT), a audiência pública ouviu membros dessa categoria, especialistas e gestores públicos, buscando subsídios para aperfeiçoamento do Projeto de Lei (PL) 632/23. De autoria da segunda parlamentar, a proposição dispõe sobre a obrigatoriedade da implantação do sistema de logística reversa no Estado para recolhimento de alguns produtos.

A matéria já passou pela Comissão de Constituição e Justiça, onde teve aprovado parecer favorável na forma do substitutivo nº 1. Já está na Comissão de Meio Ambiente, onde será relatada por Bella Gonçalves. Antes de ir a Plenário, passa ainda pela Comissão de Fiscalização Financeira e Orçamentária. Essa parlamentar disse que pretende fazer novo substitutivo que atualize o debate e inclua as propostas trazidas na audiência desta terça (5).

“A agenda da reciclagem é hoje uma das mais importantes do Brasil, que poderia extrair menos minerais do subsolo, caso ela fosse mais valorizada”, disse Bella Gonçalves. Na visão dela, uma política estadual robusta de reciclagem deve contemplar não só aspectos envolvendo o preço dos materiais recicláveis, mas principalmente, questões relacionadas às condições de trabalho dos catadores. “Se existe hoje um caminho para enfrentar a crise climática ele passa necessariamente pela reciclagem”, afirmou.

Depois de elogiar a iniciativa do PL, Neli de Souza Medeiros, coordenadora estadual do Movimento Nacional dos Catadores de Materiais Recicláveis (MNCR), reivindicou que essa política contemple as demandas dos catadores, especialmente quanto a valorização deles.

Ainda para ela, o projeto deve trazer programas estruturantes que permitam o fomento às associações e cooperativas de catadores.

“Acompanhando o que acontece nas entidades, vemos que a logística reversa ainda é perversa: só as grandes, que estão todas documentadas, conseguem fazer a logística reversa”, constatou. Segundo a liderança, as entidades menores precisam ter garantidos acompanhamento e assessoria, de modo que consigam se estruturar. Das cerca de 300 cooperativas de Minas, apenas 80 estão estruturadas.

Diretor do Instituto Socioambiental de Promoção da Reciclagem Inclusiva (Iapri), Diego Alexander Gonçalves de Azevedo, afirmou que apenas essas 80 organizações são atendidas pelo Programa Bolsa Reciclagem, que as remuneram com base na comercialização dos resíduos, comprovados por notas fiscais.

Diego Azevedo questionou ainda a variação de preços oferecidos pelos gestores que participam do programa de logística reversa em Minas. Em quatro analisados, o pagamento pela tonelada de papel e metal variou de R$ 90,00 a R$ 50,00; vidro de R$ 130,00 a R$ 70,00; e plástico entre R$ 160,00 e R$ 70,00.

“Essa variação deixa claro que o valor não está levando em consideração o trabalho dos catadores”, analisa.

Embalagens não recicláveis

Detalhando o PL 632/23, Jacqueline Rutkowski, diretora do Instituto Sustentar opinou que seu texto está condizente com a lógica mundial e com as normas federais e estaduais sobre a logística reversa. Ela citou a Deliberação Normativa Copam 249/24, que define diretrizes para implementação, operacionalização e monitoramento dos sistemas de logística reversa no Estado.

E avaliou como um avanço da nova política a preocupação com destinação a ser dada a embalagens que não constam como recicláveis em Minas Gerais, defendendo que elas sejam retiradas do mercado. Como melhorias na matéria, Rutkowski propôs a exclusão de um dos certificados previstos em norma federal que garantem às empresas comprovarem o cumprimento de metas de reciclagem, obtendo uma espécie de “selo reciclagem”.

O certificado a ser retirado seria o chamado Crédito de Reciclagem.

“Está claro que ele é um ‘green Washing’, pois passa pano limpo com pouco custo, não remunera e ainda garante a empresa o selo ‘Eu reciclo; Minas Gerais deve ser o primeiro estado a dizer não”, sugeriu Rutkowski, integrante do Observatório da Reciclagem Inclusiva e Solidária. Green Washing ou lavagem verde é uma prática enganosa em que empresas se promovem como ambientalmente responsáveis, mas na realidade, não cumprem critérios de sustentabilidade.

Luciano Marcos Pereira da Silva, presidente do Instituto Nenuca de Desenvolvimento Sustentável (Insea) ressalta a inovação do projeto de lei que prevê o pagamento dos serviços ambientais aos catadores autônomos, que atualmente estão fora dos sistemas de compensação. Ele sugere que também sejam fortalecidas organizações desestruturadas que estão em pequenos e médios municípios mineiros. Em sua opinião, Minas pode ser um bom exemplo para o resto do País.

Crédito Reciclagem viola princípio da responsabilidade

Bruno Guimarães, do Centro de Apoio Operacional às Promotorias de Justiça de Apoio Comunitário, Inclusão e Mobilização Sociais (CAO-Cimos) do Ministério Público Estadual concordou com a convidada que o antecedeu. Na sua opinião, o Crédito de Reciclagem viola um principio basilar do direito ambiental, que traz os conceitos de poluidor-pagador e protetor-recebedor. O princípio estabelece que quem causa danos ao meio ambiente deve arcar com os custos da reparação e os que contribuem para a sua proteção devem ser recompensados.

“A logística reversa tem que estruturar o retorno da embalagem, mas em vez disso, a empresa prefere pagar por um crédito de reciclagem”, disse. O resultado disso é que muitos catadores estão numa condição de escravidão moderna, porque não há investimento na logística reversa real, avaliou. Outro fator que pesa para essa condição indigna é o fato de que a reciclagem de muitos materiais, apesar de tecnicamente viável, não é atrativa do ponto de vista financeiro para as empresas. “Quem paga o preço são as entidades, porque ao final elas terão que acumular esse material em galpões e mandar para um aterro”, concluiu.

Alice Santana Dias, superintendente de Resíduos Sólidos da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad/MG), também bateu na tecla de estruturar as pequenas entidades de catadores. Esse trabalho vai permitir, segundo ela, que todas consigam receber o Bolsa Reciclagem, hoje no valor de R$ 2 mil. Na esteira desse debate, Anderson Viana, da Associação dos Catadores de Materiais Recicláveis de Nova União (Unicicla), defendeu a atualização urgente dos valores pagos pelo Bolsa Reciclagem.

Programas atuais ainda geram pouco impacto

Os diferentes programas que atendem à logística reversa no Brasil ainda estão longe de alcançar as metas estabelecidas pelo Plano Nacional de Resíduos Sólidos (Planares), instrumento da Política Nacional de Resíduos Sólidos instituído por meio do Decreto 11.043, de 2022. A proposta do plano é recuperar 30% da embalagem produzida no país, mas segundo o coordenador-geral do Projeto Novo Ciclo, do Instituto Macuco, Henrique Ferreira Ribeiro, em 2023 apenas 718.053 foram recuperadas, representando 14% dos resíduos colocados no mercado.

Para alcançar a meta estabelecida para 2024, seria necessário aumentar a recuperação de 4,51 milhões de toneladas de embalagem. Em Belo Horizonte, o total de materiais recicláveis coletados pelos serviços públicos de coleta seletiva tem se mantido na média de 6 toneladas anuais, comercializadas pelas organizações de catadores de recicláveis, o que representa apenas 12% da meta estabelecida pelo Planares para a cidade. A renda dos catadores, em 2023, foi de pouco mais de R$ 115 mil, já a prefeitura da Capital gastou R$ 57,7 milhões com o manejo de resíduos de embalagens, passíveis do sistema de logística reversa.

Henrique Ribeiro explicou que as embalagens representam 84,5% dos resíduos secos produzidos pelos domicílios brasileiros e 22,6% de todos o lixo domiciliar. Das embalagens, 35,8% proveem de alimentos, 14,1% de bebidas e 8% de itens de higiene pessoal e material de limpeza, que têm percentual idêntico. Muitas delas, 42,3%, não foram identificadas pelo levantamento ou por estarem muito estragadas ou por não se encaixarem especificamente nessas categorias como, por exemplo, sacolas.

Das embalagens domiciliares, 43% são plástico, 31,1% de pepel, 8% de vidro, 4,6% de metal e 13,3% não são recicláveis. Ele ressalta que, o potencial de comercialização é de quase 87% do produzido, que acaba não conseguindo retornar para os fabricantes.

O coordenador do Instituto Macuco mostrou que no Brasil 9,8 milhões de empresas poderiam participar do Programa de Logística Reversa de Resíduos (PSLR), um milhão em Minas Gerais e 150 mil em Belo Horizonte. Ele sugere ações estruturantes para ampliar essa participação como a integração dos sistemas de coleta seletiva e logística reversa, financiamento compartilhado entre empresas e órgãos públicos, melhorar a condição de trabalho e renda dos catadores e ampliação da educação ambiental.

Substitutivo

Ao final da reunião, Bella Gonçalves disse que vai incorporar ao substitutivo que proporá para o PL as propostas trazidas nesta audiência. Entre as melhorias, citou a extinção dos programas monetarizantes que existem na logística reversa, como o crédito de reciclagem; a padronização do valor pago por tonelada de material a ser reciclado; a definição de exigências para o gerenciamento adequado de resíduos sólidos gerados em grandes eventos privados ou públicos; e a garantia de pagamento justo aos trabalhadores.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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