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quarta-feira, 5 novembro, 2025

Proposta de regionalização do saneamento enfrenta cobranças de financiamento e estrutura

Para deputados e servidores, desestruturação da agência reguladora e privatização do setor enfraquecem fiscalização e proteção do consumidor.
Servidores da área ambiental, que estão em greve há 65 dias, acompanharam o debate. Foto: Willian Dias ALMG

Projeto de Lei (PL) 3.739/25, do Governo do Estado, que cria quatro blocos regionais para gestão de saneamento básico e 26 para gestão de resíduos sólidos em Minas Gerais, foi debatido nesta terça-feira (4/11/25) em audiência pública na Assembleia Legislativa de Minas Gerais (ALMG). 

Parte do projeto original, que trata da organização da Agência Reguladora de Serviços de Abastecimento de Água e Esgotamento Sanitário do Estado (Arsae-MG), foi desmembrada e transformada no PL 4.552/25, também discutido na reunião organizada pela Comissão de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável da ALMG. 

De acordo com o PL 4.552/25, as atribuições da Arsae seriam ampliadas e ela assumiria a fiscalização dos serviços de gás canalizado, limpeza urbana, manejo de resíduos sólidos, drenagem e manejo de águas da chuva. 

Representantes do Poder Executivo participaram do debate e afirmaram que a nova organização do saneamento em Minas foi elaborada com os objetivos, entre outros, de garantir a sustentabilidade econômico-financeira e buscar a universalização dos serviços prestados. Os projetos também integram o pacote de medidas do Programa de Pleno Pagamento de Dívidas dos Estados (Propag).

De acordo com os dados apresentados, apenas 53% da população urbana mineira conta com coleta e também tratamento de esgoto. O abastecimento de água atende 94% da população urbana e 82% da população total. Somente 70% dos 853 municípios têm uma destinação adequada aos resíduos sólidos.

Para oposição, divisão do Estado atenderia interesses da iniciativa privada

Sindicalistas, servidores e parlamentares da oposição, no entanto, afirmaram que a constituição dos blocos regionais planejada pelo governo para o saneamento básico reflete o interesse da iniciativa privada em assumir os serviços em municípios específicos, após a possível privatização da Copasa. Também alertaram que, em outras áreas, o objetivo é transferir a responsabilidade de gestão e fiscalização para os municípios. 

Uma das modificações mais cobradas no PL 4.552/25 foi a inclusão de uma garantia de autonomia administrativa, orçamentária e financeira para a Arsae, sem a qual a efetividade da fiscalização ficaria comprometida. “Se você vai privatizar a Copasa, pelo menos garanta uma estrutura de fiscalização decente”, cobrou o presidente do Sindicato dos Servidores Públicos do Meio Ambiente no Estado de Minas Gerais (Sindsema), Wallace Alves Silva.

De acordo com Wallace Silva, a legislação federal exige que todas as agências reguladoras tenham autonomia administrativa e orçamentária. Sem isso, ele considera que qualquer nova lei seria ilegal.

O analista fiscal de regulação de serviços de abastecimento de água e esgotamento sanitário da Arsae, Gustavo Vasconcelos Ribeiro, afirmou que a agência não tem orçamento próprio, como prevê o Marco Regulatório do Saneamento, e nem autonomia sobre a totalidade da receita que gera, conforme preconiza a Agência Nacional de Águas e Saneamento Básico (ANA), funcionando de forma irregular, segundo ele. O servidor afirmou que apenas 30% da arrecadação é destinada à agência mineira 

O sindicalista também defendeu que o projeto seja modificado para manter a Arsae dentro do Sistema Estadual do Meio Ambiente (Sisema), sem transferi-lo  para outra área. Ele também alertou que muitas agências municipais hoje existentes na área do saneamento não têm estrutura necessária para garantir a independência e fiscalização necessárias.

Outra advertência foi que a eventual criação de serviços próprios pelos municípios mais ricos pode inviabilizar o sistema, tornando inevitável uma reestatização no futuro, com altos custos para o Estado. Foi o que sugeriu o deputado federal Rogério Correia (PT-MG), argumentando que Belo Horizonte, Contagem e Betim podem não ter interesse em manter contratos com uma Copasa privatizada.

O subsecretário de Saneamento da Secretaria de Estado de Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável (Semad), Anderson do Carmo Diniz, disse que os contratos da Copasa com os municípios serão respeitados.

Servidores da área ambiental estão em greve há 65 dias e pedem diálogo

A reunião foi solicitada pela deputada Beatriz Cerqueira (PT), que também criticou o governo pela falta de diálogo com os servidores do setor ambiental, que estão em greve há 65 dias. “Gostaria de lembrar ao governo que existe uma categoria em greve e ignorá-la não resolve o problema”, declarou a deputada. 

Também analista e servidora da Arsae, Josianne Rodrigues detalhou a falta de estrutura do órgão. Segundo ela, a equipe de fiscalização já contou com 14 servidores efetivos, hoje reduzidos a sete. “Em São Paulo são 10 municípios para cada fiscalizador. Aqui são 90”, lamentou. Para contornar o problema, segundo ela, o governo vem substituindo os efetivos por contratados, o que enfraqueceria seu papel de fiscalização. Ela também afirmou que o valor da diária de viagem é hoje pouco superior a R$ 180,00, o que obrigaria os servidores a usar recursos próprios nas viagens de trabalho.

Tanto a deputada Bella Gonçalves (Psol) como o deputado Leleco Pimentel (PT), mostraram preocupação com o que consideram um esvaziamento do papel do Estado na gestão e fiscalização. “Estão tentando lavar as mãos e passar a responsabilidade para os municípios”, afirmou Leleco Pimentel.

“A divisão dos blocos prejudica uma visão de Estado”, avaliou Bella Gonçalves. A deputada também mostrou preocupação com o bloco regional que engloba municípios do Rio Doce. Segundo ela, a área deve receber investimentos bilionários em saneamento em virtude da reparação pelo rompimento da barragem de Mariana, em 2015, o que seria um benefício indevido para investidores privados que assumissem o serviço na área.

De acordo com o projeto do governo, os municípios terão um prazo de 180 dias para aderir aos blocos definidos. A prefeita de Lima Duarte (Mata), Elenice Santelli, e o prefeito de Cajuri (Mata), que também participaram da reunião, se queixaram de que os municípios não estão sendo ouvidos sobre as propostas de regionalização e privatização dos serviços de saneamento.

Com informações do site oficial da Assembleia Legislativa de Minas Gerais

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