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Reforma Administrativa de 2025: modernização ou manutenção de privilégios?

Leia a coluna desta semana de Jamir Calili
Reforma Administrativa 2025. Foto: Reprodução da Internet
domingo, 12 outubro, 2025

por Jamir Calili

Depois de anos de debate e expectativa, a reforma administrativa voltou ao centro das discussões em 2025, um tema de suma importância, pois trata do funcionamento do serviço público e de seu impacto nas contas públicas e na qualidade dos serviços essenciais. A proposta atual, elaborada por um grupo de trabalho na Câmara dos Deputados, é apresentada como a “primeira grande reforma administrativa deste século”. Tentativas anteriores, como a PEC 32/2020, fracassaram sob críticas de que puniam os servidores e abriam brechas à politização da gestão. Agora a nova proposta busca equilibrar modernização da máquina pública e compromisso com o interesse público.

Coordenada pelo deputado Pedro Paulo (PSD-RJ), a reforma consiste em uma PEC e dois projetos de lei. Seu objetivo declarado é modernizar a máquina estatal, corrigir distorções salariais, fortalecer a meritocracia e impor disciplina fiscal. Para isso, prevê-se um modelo de gestão por resultados (metas, avaliação periódica e bônus por desempenho atingido). O estágio probatório ficaria mais rigoroso (estabilidade só após aptidão comprovada), e as carreiras seriam reestruturadas com concursos unificados e progressão apenas por mérito. Propõe-se ainda uma tabela salarial única por esfera (piso no salário-mínimo e teto constitucional) para coibir supersalários e “penduricalhos”. Cortam-se benefícios que são considerados pelo relator excessivos (como férias acima de 30 dias e licenças-prêmio) e auxílios ficam limitados a 10% da remuneração para altos cargos. Há também um teto de crescimento das despesas públicas vinculado à inflação, vedando criar gastos permanentes sem receita nova. Em suma, o pacote busca modernizar a gestão com eficiência, cortar privilégios históricos e impor maior controle fiscal em todas as esferas. Essas são os principais pontos da proposta.

Porém, é preciso ficar atento e fazer uma análise crítica. Uma coisa é cortar os privilégios que existem de fato, outra coisa é sacrificar o servidor público que trabalha enquanto jorram dinheiro público em ineficiências. No papel, as mudanças são abrangentes, mas reformas administrativas costumam enfrentar um inimigo interno: a captura por grupos organizados. A “alta burocracia” – elites do funcionalismo, com forte lobby – tende a preservar seus privilégios, enquanto o peso do ajuste recai sobre os servidores de base e os entes menores da federação. Na proposta de 2025, esse desequilíbrio já se evidencia. Por exemplo, cria-se um teto de gastos apenas para estados e municípios, deixando de fora a União: sem um freio equivalente na máquina federal, o ajuste tende a recair desproporcionalmente sobre estados e prefeituras. As prefeituras acabam executando a maior parte do serviço público básico necessário para atender a qualidade de vida e podem ser as mais penalizadas.

Essa questão se acentua nos municípios de médio porte, que já operam no limite orçamentário. Nesses municípios, os gastos com pessoal ativo consomem cerca de metade do orçamento, e as despesas obrigatórias em saúde, educação e previdência deixam pouca margem de manobra. Um novo teto, sem repensar atribuições ou ampliar receitas, pode forçar prefeitos a congelar contratações, cortar investimentos e precarizar serviços básicos. Em outras palavras, poupam-se os “peixes grandes” e a conta sobra para os “miúdos”: a população local e os servidores de base, enquanto uma minoria no topo mantém suas vantagens.

É crucial, portanto, que a reforma administrativa corrija distorções sem desvalorizar o serviço público essencial. Os formuladores da proposta afirmam ter esse cuidado. Pedro Paulo insiste que a reforma moderniza “sem vilanizar o servidor” e garante que nenhum direito será retirado, preservando a estabilidade do funcionário de carreira. Essa postura, se real, é acertada: o servidor público deve ser parte da solução, não o alvo da culpa. Valorizar o funcionalismo envolve remuneração justa, capacitação contínua e reconhecimento por mérito. Avaliações objetivas e incentivos bem planejados podem elevar a produtividade sem se tornarem instrumentos de perseguição. O Estado ideal pós-reforma é mais enxuto no topo – livre de privilégios – e fortalecido na base, com profissionais motivados prestando serviços de qualidade à população.

Cabe à sociedade manter-se vigilante quanto aos rumos da reforma. É preciso acompanhar de perto a tramitação para que o texto final não seja desfigurado por pressões de última hora, nem fique apenas no papel. Em municípios médios, os efeitos serão sentidos no dia a dia dos serviços públicos, e os cidadãos devem cobrar que as melhorias de eficiência prometidas se traduzam em atendimento melhor. A reforma administrativa só cumprirá seu papel se, de fato, modernizar a administração em benefício do interesse público – sem servir de cortina de fumaça para perpetuar privilégios ou impor sacrifícios aos mais vulneráveis.

Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.

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