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Reforma do Imposto de Renda: um passo necessário

Leia a coluna desta semana de Jamir Calili
Imposto de Renda 2025. Foto: Fernando Jasper/Gazeta do Povo
domingo, 28 setembro, 2025

por Jamir Calili

A reforma do Imposto de Renda, enfim, voltou à pauta política nacional. Não era sem tempo. Precisamos discutir assuntos relevantes para o contexto nacional. Entre os pontos aprovados, no Senado Federal, destaca-se a ampliação do limite de isenção: mais brasileiros de classe média e trabalhadores com rendas modestas deixarão de pagar imposto. Pode parecer uma medida simples, mas o impacto é profundo, tanto na economia quanto na justiça tributária.

O Brasil possui um sistema tributário notoriamente regressivo. Em termos diretos: quem tem menos paga proporcionalmente mais. Isso acontece porque grande parte da arrecadação está concentrada em tributos sobre o consumo, impostos que incidem sobre o arroz, o feijão, o remédio, a roupa. São tributos que não perguntam se você ganha um salário-mínimo ou cinquenta mil reais por mês; incidem de maneira igual. Assim, um trabalhador que ganha pouco compromete parcela muito maior de sua renda com tributos do que alguém com renda alta.

A ampliação da faixa de isenção do Imposto de Renda vai na contramão dessa lógica perversa. Significa que milhões de brasileiros das classes B e C terão mais dinheiro no bolso ao final do mês. Isso não é detalhe: é uma correção mínima diante do peso desproporcional que essas pessoas carregam. É como ajustar a balança, que há décadas pende contra quem mais precisa de equilíbrio.

Do ponto de vista econômico, a medida tem efeito multiplicador. Diferente dos muito ricos, que tendem a poupar ou investir em ativos financeiros, os trabalhadores e a classe média gastam no comércio local, no supermercado, na feira, no pagamento das contas atrasadas. O dinheiro liberado pelo aumento da isenção retorna imediatamente à economia real, alimentando um ciclo de consumo que gera empregos e aumenta a arrecadação indiretamente. Ou seja, o Estado renuncia a uma parcela de receita direta, mas ganha dinamismo econômico que pode compensar parte dessa renúncia.

É claro que esse debate não é neutro. Há resistências políticas e ideológicas. Setores mais abastados questionam a perda de arrecadação da União e pressionam para que ela seja compensada com cortes de gastos sociais. Outros defendem que o governo deveria avançar mais, instituindo faixas adicionais de tributação sobre os muito ricos. Inclusive é essa a proposta do governo para compensar a renúncia fiscal prometida e a grande controvérsia existente no Congresso Nacional. De todo modo, a medida aprovada já é um avanço importante. Ela tira o foco da austeridade cega e devolve ao contribuinte comum um pouco da justiça que lhe é devida.

Convém lembrar que o imposto de renda é, em teoria, o tributo mais justo, porque incide sobre a capacidade contributiva: quem ganha mais, paga mais. Mas no Brasil, a tabela ficou congelada por anos, o que corroeu essa justiça. Pessoas com renda modesta foram empurradas para a tributação, enquanto a elite econômica manteve privilégios, seja pela baixa tributação sobre lucros e dividendos, seja por mecanismos de planejamento tributário. Em vez de corrigir a desigualdade, o sistema a aprofundou.

Defender a reforma, portanto, é defender um princípio básico de cidadania. É reconhecer que não podemos continuar punindo os que trabalham e recompensando os que acumulam. É dar fôlego à economia em tempos de dificuldades. E é, também, um passo político: mostra que, quando há vontade, é possível alterar a estrutura do sistema tributário em favor da maioria.

O Brasil ainda precisa enfrentar debates maiores como a tributação das heranças, lucros e dividendos; a simplificação de regras; a redução do peso sobre o consumo. Cada um desses temas é parte de uma agenda de modernização e de justiça fiscal que não pode mais ser adiada.

O aumento da isenção é, no entanto, uma sinalização importante. Para o trabalhador que já não suporta o peso dos preços e dos impostos embutidos em cada produto, ver algum alívio é mais que um gesto econômico: é um gesto de reconhecimento. É dizer que o Estado não pode se sustentar às custas de quem ganha pouco.

Ao final, é essa a essência da reforma: colocar a mão do Estado onde ela deve estar, no bolso dos que mais podem, e aliviar a carga de quem carrega, há tanto tempo, um peso desproporcional. Que essa mudança seja o início de uma virada, em que tributação e justiça caminhem lado a lado.

Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.

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