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domingo, 7 dezembro, 2025

Um passo necessário para humanizar o luto materno

Leia a coluna desta semana de Jamir Calili
Luto materno. Foto: Reprodução da Internet

por Jamir Calili

Alguns debates públicos estão acima das disputas políticas. São temas que pertencem à esfera da humanidade. O luto materno é um deles. Quando uma mulher perde um filho ainda no ventre, algo se rompe dentro dela, uma dor reconhecida pela medicina, pela psicologia e por qualquer pessoa que compreenda a delicadeza da vida. É justamente nesse momento que o Estado deve estar à altura da compaixão que as famílias merecem.

O Projeto de Lei 045/2025, em análise pela Prefeitura de Governador Valadares, nasce desse compromisso. Ele determina que mães que passem por óbito fetal não sejam internadas ao lado de puérperas celebrando a chegada de seus recém-nascidos, nem em ambientes onde o choro de bebês se torne um gatilho adicional de sofrimento. Além disso, assegura o direito de acompanhante durante todo o processo, reforçando uma política de cuidado já defendida pela Lei Federal 11.108/2005.

Não se trata de privilégio. Trata-se de respeito e, sobretudo, de saúde mental materna, uma área de atenção crescente no Brasil e no mundo. A ciência é clara. A Organização Mundial da Saúde inclui o luto perinatal entre os eventos mais traumáticos da vida humana. Ambientes inadequados aumentam o risco de depressão pós-parto, Transtorno de Estresse Pós-Traumático e ansiedade persistente. Pesquisas internacionais indicam que o modo como a mulher é acolhida nas primeiras horas após a perda influencia diretamente seu processo de elaboração psicológica, sua autoestima e até sua capacidade de retornar às atividades da vida cotidiana. Ignorar isso não é apenas falha administrativa, é falha ética.

É por isso que, no Brasil, o mês de maio passou a ser associado ao Maio Furta-Cor, movimento nacional de sensibilização sobre luto gestacional, neonatal e saúde mental materna. A cor furtacor, que muda conforme a luz, simboliza exatamente o que essas mães vivem: sentimentos múltiplos, sobrepostos, difíceis de nomear. É um mês dedicado a quebrar o silêncio, combater estigmas e lembrar que cuidar da mulher é cuidar da família. Esta campanha virou lei em nosso município e tem sido liderada pela Professora Lídia Brandes e tem várias ramificações e uma delas é exatamente este projeto de lei. Ele traduz em política pública aquilo que profissionais de saúde, psicólogos e organizações de apoio já afirmam há anos: mães enlutadas precisam de privacidade, acolhimento e proteção emocional. E nós, enquanto cidade, temos o dever de garantir isso.

Estados e hospitais de referência no país já adotam protocolos semelhantes. São medidas simples, muitas vezes de baixo custo, baseadas em reorganização de fluxos internos e capacitação das equipes. Não exigem grandes obras nem despesas extraordinárias. Exigem, sim, sensibilidade e compromisso com aquilo que há de mais essencial na saúde pública: tratar as pessoas com dignidade. A dor do luto materno não desaparece. Mas pode ser acolhida. E isso faz diferença. Muitos relatos de mulheres que, após perderem seus filhos, foram colocadas em alas cheias de celebração descrevem essa experiência como “uma segunda violência”. Basta um espaço separado, silêncio, a presença de alguém de confiança para que esse sofrimento fosse evitado.

Como sociedade, somos julgados pela forma como tratamos os mais vulneráveis. A sanção deste projeto não é apenas um ato legislativo: é um gesto civilizatório. É reconhecer que a saúde mental materna importa tanto quanto a saúde física. É alinhar Valadares ao que há de mais moderno e humano em políticas de acolhimento. É afirmar que mães que vivem um dos piores dias de suas vidas merecem cuidado integral, amparo emocional e respeito profundo. Que o poder público tenha sensibilidade para dar esse passo, sancionando este projeto de lei, de minha autoria, copiando práticas já consolidadas em centros de saúde referenciado, e que já foi aprovado por unanimidade pela Câmara Municipal de Governador Valadares. E que possamos construir uma cidade que compreende que humanizar o luto é, antes de tudo, humanizar a vida.

O leitor que chegou até aqui pode conhecer mais do meu trabalho em www.jamircalili.com.br. Sou autor das leis que definiu o mês maio como o mês municipal da saúde mental materna e da lei que instituiu o protocolo mulher seguras para serem seguido por bares, restaurantes e casas de festas visando a segurança e proteção feminina contra todos os tipos de assédios.

Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.

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