por Jamir Calili
No último dia 29 de setembro, participei na Câmara Municipal de Governador Valadares de uma sessão solene em homenagem aos 50 anos do curso de Odontologia e aos 30 anos do PAOPE – Programa de Assistência Odontológica às Pessoas Especiais – da Univale. A homenagem foi proposta pelo colega vereador Dandan Cesário, a quem cumprimento pela iniciativa. Não foi apenas um ato protocolar, mas uma verdadeira celebração de nossa história coletiva, da coragem de pioneiros que acreditaram na educação superior como vetor de desenvolvimento. E foi esse momento que me inspirou a escrever esta coluna.
Governador Valadares tem muitos problemas e desafios, é verdade. Mas também tem histórias que merecem ser contadas e valorizadas. Uma delas é justamente a trajetória da Univale e do ensino superior em nossa cidade. É preciso recordar que há meio século, quando poucas cidades do interior tinham condições de abrigar um curso universitário, nasciam aqui iniciativas visionárias que mudariam para sempre o destino da região. O curso de Odontologia da Univale foi um marco. Ao lado dele, a fundação da Academia Valadarense de Letras, a criação de cursos de Engenharia, Direito e tantos outros que se multiplicaram. Tudo isso em uma época em que estudar numa faculdade era privilégio quase exclusivo das capitais.
Até o início dos anos 2000, Valadares era destino de centenas de estudantes vindos do Espírito Santo, da Bahia, do interior de Minas e de tantos outros cantos. Se por um lado exportamos mão de obra para os Estados Unidos, por outro exportamos profissionais de qualidade para o Brasil e o mundo. Esse fluxo só foi possível porque tivemos homens e mulheres que ousaram sonhar. Gente que acreditou que aqui poderia florescer uma universidade.
É impossível não citar nomes como Talmir Canuto Costa, Antônio Rodrigues Coelho (pai e filho), Altino e Aurita Machado, Armando Gobira, entre tantos outros. São figuras que, em tempos difíceis, sem dinheiro, mas com coragem e espírito de liderança, construíram os alicerces de algo que parecia improvável. Como lembrou Toninho Coelho em uma entrevista dada a TV Univale, seu pai, Antônio Rodrigues Coelho, foi procurado pelo engenheiro Jorge Soares, que sonhava em instalar uma escola superior em Valadares. A partir daí, junto a outros parceiros, nasceu a Fundação Percival Farquhar, berço da Univale. Não havia recursos: rifas de carros foram organizadas para levantar os primeiros fundos. Vieram professores do ITA, engenheiros, pesquisadores, todos motivados pela ideia de semear conhecimento. Foi assim, no suor e na persistência, que Valadares ganhou seus primeiros cursos superiores e centro universitário.
Essa história nos dá lições importantes. Primeiro, de que não é preciso esperar condições ideais para realizar grandes feitos. Segundo, de que a educação superior transforma territórios, atrai gente, cria riqueza e abre horizontes. Terceiro, de que precisamos resgatar o orgulho daquilo que já conquistamos. Muitas vezes nos deixamos dominar pelo pessimismo e esquecemos que Governador Valadares é uma cidade de pioneiros.
Se hoje temos uma rede que inclui universidades e institutos federais, isso só foi possível porque a Univale preparou o terreno. O ciclo iniciado nos anos 1960 e 1970 abriu caminho para que, a partir de 2010, novas instituições públicas chegassem. É justo reconhecer aqui o papel da ex-prefeita Elisa Costa e do deputado federal Leonardo Monteiro, que contribuíram para trazer o ensino federal para a cidade. Também tivemos avanços recentes com a criação da Secretaria de Ciência, Inovação, Tecnologia e Desenvolvimento durante o governo André Merlo, fruto de um grupo que ajudei a liderar. Tudo isso reforça a convicção de que a educação é uma força motriz de desenvolvimento.
Hoje, infelizmente, há uma campanha nacional que tenta desvalorizar a formação superior, como se ela fosse supérflua ou ideológica. Pois a história de Valadares mostra o contrário: foi justamente a aposta na universidade que nos fez avançar. O curso de Odontologia e o Programa de Extensão PAOPE são exemplos concretos do quanto a academia pode transformar vidas, gerar serviços, formar profissionais e cuidar da população mais vulnerável.
Quero deixar aqui meu cumprimento à reitora Lissandra Rocha, que foi minha coordenadora quando fui professor nesta instituição, em 2012, ao presidente da Fundação Percival Farquhar, Dr. Rômulo Leite, e a todos os que mantêm viva essa chama. Se hoje a Univale é referência, é porque foi construída sobre o sacrifício e a fé de homens e mulheres que acreditaram em nossa cidade. Que essa história inspire as novas gerações. Que saibamos olhar para trás não com nostalgia, mas com gratidão e confiança no futuro. Governador Valadares não é apenas uma cidade que exporta trabalhadores; é, antes de tudo, um polo de conhecimento, pesquisa e ensino. Precisamos nos orgulhar disso e pensar mais positivamente sobre nosso papel no cenário regional e nacional.
Jamir Calili, professor da UFJF, vereador, membro da Academia Valadarense de Letras, na cadeira de Machado de Assis.