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Valadares em traços: Adolpho Campos, o pioneiro que transformou projetos em patrimônio de Governador Valadares

Leia a coluna "Gente que faz história" de Vanusa Alves
Adolpho Campos. Foto: Divulgação
domingo, 26 outubro, 2025

por Vanusa Alves

Ao cruzarmos as ruas de Governador Valadares, somos engolidos pelo vaivém apressado de uma cidade que pulsa entre buzinas, passos ligeiros e olhares mergulhados nas telas luminosas dos smartphones. No compasso acelerado da modernidade, poucos percebem o que realmente dá forma a esse cenário. Entre esquinas e avenidas, há criações pensadas nos mínimos detalhes, traços de arte escondidos em fachadas, estruturas e espaços que se tornaram parte silenciosa da nossa rotina. Obras que exigiram horas a fio de dedicação, técnica e sensibilidade, mas que, no corre-corre do dia, passam despercebidas, como se a beleza que molda a cidade tivesse sido criada por mágica, sem a atuação de mentes altamente pensantes, criativas e altivas.

Entre essas mentes que traduziram em traços o espírito de Governador Valadares está Adolpho Campos, o primeiro arquiteto. Em seu livro “Crônicas de Um Arquiteto e Sua Cidade”, ele relembra com modéstia e lucidez: “Quando me formei, não era o pior nem o melhor arquiteto, era o único na cidade e na região.” Foi assim, sendo o único técnico em arquitetura e urbanismo, que ele começou a dar forma e identidade à cidade, moldando, com régua, lápis e sensibilidade, a estética que hoje reconhecemos como parte do nosso cotidiano.

De sua prancheta nasceram obras que se tornaram símbolos da paisagem valadarense: a Paróquia Nossa Senhora Aparecida, na Ilha dos Araújos, sua primeira criação e um marco para toda a comunidade, o edifício da Prefeitura Municipal, a Câmara dos Vereadores, o Teatro Atiaia, a Praça dos Pioneiros, a sede da Universidade Vale do Rio Doce (Univale), o Hotel San Diego, o Empresarial La Vitta, conhecido como Casa do Médico, além das várias ampliações do Hospital Samaritano e de inúmeros edifícios que, erguidos ao longo das décadas, revelam o traço característico de Adolpho: linhas suaves, formas arredondadas e um olhar artístico que sempre buscou equilibrar beleza e funcionalidade. São construções que traduzem a sensibilidade de um homem que desenhou, com alma e técnica, a história de uma cidade.

Com mais de meio século de carreira, o arquiteto Adolpho Campos carrega no currículo um diploma chancelado pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), emitido no final da década de 1960 e, ainda assim, mantém-se ativo em suas atividades todos os dias. Lembra-se com nitidez de sua primeira obra, experiência que abriu portas e o levou a ser convidado para assumir o cargo de secretário de Obras de Governador Valadares. Era um período de sonhos urbanos e grandes planos. Adolpho desejava implantar o primeiro Plano Diretor da cidade, mas o projeto foi interrompido após ele determinar o fechamento de um escritório de vendas de loteamentos clandestinos decisão que contrariou interesses da época. Foi sua primeira frustração profissional. Preferiu pedir exoneração antes da conclusão do Plano Diretor. Hoje, relembra o episódio, que à época lhe trouxe tristeza, com bom humor.

Após esse infortúnio, retornou a Belo Horizonte, onde permaneceu por algum tempo, até que, mais uma vez, sua missão de vida o chamou de volta. Regressou a Governador Valadares para cumprir uma importante tarefa: a construção do Teatro Atiaia. De acordo com seu idealizador, o projeto foi um dos maiores desafios de sua carreira, tanto pela reduzida dimensão do terreno quanto pela necessidade de uma solução estrutural incomum. Por ser o primeiro arquiteto da cidade, Adolpho foi pioneiro na implementação de diversas técnicas construtivas. Esse pioneirismo merece destaque, pois em uma época em que as telecomunicações eram limitadas e o acesso à informação, escasso, o exercício da profissão exigia dele um esforço muito maior do que se exige dos profissionais da era digital. Para trazer a Valadares técnicas modernas, daquela época, e até mesmo específicas, como as utilizadas no Teatro Atiaia, mantinha contato constante com a capital, trocando experiências e atualizando-se sobre as inovações da arquitetura contemporânea.

Por se tratar de uma profissão nada comum na região, como era o caso da arquitetura, a escolha de Adolpho revela desde cedo o quanto ele é, sem dúvidas, um homem de mente singular. Em uma época em que as profissões mais desejadas eram Direito e Medicina, optar pela Arquitetura era, por si só, um ato de coragem e originalidade. E, claro, eu, curiosa como sou, não deixaria de perguntar o que o levou a seguir esse caminho. Ele me contou que a decisão foi fortemente influenciada pela mãe, dona Nathália Campos, professora dedicada que criou sozinha os filhos e sempre fez questão de valorizar o estudo. “Ela sabia o poder transformador do conhecimento”, recorda. Como forma de homenagem, e em reconhecimento à importância que ela teve para cidade enquanto professora, um dos edifícios que Adolpho projetou durante o período de verticalização da cidade, iniciado em 1977, recebeu o nome dela. Graças ao esforço e à visão da mãe, Adolpho estudou em um internato em Itaúna e, mais tarde, mudou-se para Belo Horizonte, onde prestou vestibular e ingressou no curso de Arquitetura. Segundo ele, a escolha também se deu por outro motivo: sempre desenhou muito bem e possuía uma notável visão espacial. Ao longo da carreira, descobriu que esse talento o permitia enxergar os projetos em três dimensões, o famoso 3D, visualizando altura, largura e profundidade ainda no papel. Uma habilidade natural que, hoje, mesmo com os sistemas computadorizados de modelagem, continua a ser admirável, especialmente se considerarmos a época em que tudo era feito à mão.

Em toda jornada, há momentos de conquistas e também de frustrações. Na sólida carreira de Adolpho, não foi diferente. Ele mesmo relata, na seção “Frustrações” de seu livro, os episódios em que seus sonhos arquitetônicos não saíram do papel. Entre os projetos que idealizou, mas não chegou a ver executados, estão o Pavilhão de Esportes e Lazer, pensado para ser um grande espaço de convivência às margens do Rio Doce, próximo à ponte da Ilha dos Araújos; e o estádio de futebol, projetado para ser construído no terreno da Univale. São obras que permaneceram fixadas no papel e, mais ainda, na memória de seu criador. Além disso, ganhou a fama de ter certa dificuldade em projetar garagens, um rótulo que ele encara com bom humor e naturalidade.

Assim como há momentos de frustração, quando projetos não se concretizam, há também aqueles de orgulho, marcados por construções que se tornaram verdadeiros monumentos da cidade. Entre tantos prédios erguidos, Adolpho confessa ter amor e apreço por todos, mas admite que alguns ocupam um lugar especial em sua memória e em seu coração. Entre eles, destaca o Hotel San Diego e o Empresarial La Vitta, obras que, segundo ele, sintetizam sua visão estética e técnica.

Durante nossa conversa, falou com brilho nos olhos sobre os projetos voltados à área hospitalar, especialmente os realizados para o Hospital Samaritano. Para atender às exigências específicas desse tipo de construção, precisou se especializar em arquitetura hospitalar, o que o manteve, mais uma vez, em posição de pioneirismo. E trouxe a ele a oportunidade de executar obras nas cidades de Juiz de Fora e Caratinga.

Projetar os anexos e ampliações do Hospital Samaritano foi, segundo ele, um dos maiores desafios de sua carreira. O terreno, de características complexas, exigiu soluções criativas e um olhar técnico apurado para permitir a expansão contínua da estrutura. Adolpho fala do Samaritano com orgulho, não apenas pela grandiosidade do projeto, mas pela importância que o hospital tem para Governador Valadares e toda a região. Destaca que, muitas vezes, a população não percebe a dimensão e a relevância dessa obra para o desenvolvimento da cidade. “Poucos compreendem o tamanho da contribuição que o

Samaritano representa para Valadares”, afirma. E os números justificam o sentimento: o hospital realiza anualmente cerca de 35 mil atendimentos entre consultas, serviço social, suporte clínico, odontologia, nutrição, psicologia e fonoaudiologia, mais de 1.000 cirurgias e mais de 34 tratamentos oncológicos de quimioterapia e radioterapia. Para ele, cada dado traduz uma história de vida. “Cada pessoa que passa por ali, cada familiar, cada um dos mais de 1.600 colaboradores e quase 400 médicos que trabalham diariamente no hospital são impactados diretamente pelo meu trabalho e, de certa forma eu faço parte da vida deles”, diz, orgulhoso.

Adolpho é um homem de voz serena, porém imponente. Pai de três filhos e esposo da admirada jornalista Lena Trindade, é alguém movido pela curiosidade e pela beleza das palavras. Apaixonado por literatura, leitor assíduo, é também escritor e autor de nove livros, entre eles o aclamado “Rio Doce 500 Anos”, amplamente utilizado por pesquisadores após o rompimento da barragem de Mariana, tragédia que impactou severamente o rio que dá nome à obra.

Na visita que fiz à sua casa, descobri outro de seus talentos: o da pintura. Suas telas expressam a mesma harmonia e precisão que marcam seus projetos arquitetônicos. Além de arquiteto, é empresário há mais de quatro décadas no setor da construção civil e faz questão de manter em sua equipe jovens profissionais, acreditando na importância de renovar ideias e compartilhar conhecimento com as novas gerações.

Pai orgulhoso, fala com brilho nos olhos sobre àqueles que representam o futuro em casa, seus filhos: uma designer de interiores, um engenheiro e um artista plástico, e reconhece neles a continuidade de sua própria veia criativa.

Adolpho é, portanto, um homem multifacetado, desses que Deus agracia com dons raros e uma mente inquieta. Um visionário que ajudou a desenhar não apenas prédios, mas também parte da história e da identidade desta cidade que é lar, memória e obra em constante construção. Esta é a Princesinha do Vale, Governador Valadares.

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